Pra quem se liga no cenário nacional de quadrinhos, o nome Lagarto Negro não é estranho. O personagem foi criado pelo, hoje advogado, Gabriel Rocha, 39, no fim dos anos 1990. Lagarto Negro é um combatente urbano que atua na cidade do Rio de Janeiro e até os dias de hoje, não revelou sua identidade.
O personagem já foi publicado em fanzine, revistas, na internet. E não só por seu criador. O Lagarto já foi retratado por diversos artistas e, inclusive, atuando ao lado de outros heróis brasileiros.
Pensando no histórico e importância do personagem, a equipe do Folha Z procurou seu criado, Gabriel Rocha, para saber um pouco mais do herói.
Confira a entrevista na íntegra a seguir:
Folha Z – O Lagarto Negro foi criado em 1998. Como surgiu essa ideia?
Gabriel Rocha – A ideia foi fermentando aos poucos. O Lagarto Negro foi criado como amostra para uma revista de histórias em quadrinhos nacionais, e era um personagem do gênero dos super-heróis moldado para um cenário brasileiro. Lembro de ter feito inicialmente 4 páginas com o personagem como apresentação para esta publicação. Me senti encorajado a fazer isso depois de ler um anúncio da revista que dizia: “…mande sugestões sobre novos empreendimentos”. Foi o suficiente para mim! Mas a revista infelizmente não foi adiante e então eu refiz as páginas e publiquei em um fanzine que eu mesmo editava. Os primeiros originais ficaram com a editora, e como perdi o contato, nunca mais recuperei as primeiras 4 páginas.
Mas eu já fazia quadrinhos de super-heróis desde 1992, publicando em jornais de bairro de minha cidade – os extintos Redator Alternativo e Niterói Cultural. E recebia críticas e sugestões diversas dos leitores. O Lagarto Negro veio a atender a essas observações, que eu recebia desde então, sobre como o leitor queria que fosse um “super-herói brasileiro”.
Folha Z – Quais foram suas influencias para cria-lo e quais são as suas influências de modo geral?
Gabriel Rocha – O visual é uma evolução do que eu já vinha fazendo com Metatron, um super-herói que eu publiquei nos jornais de bairro a partir de 1994. A máscara surgiu depois de olhar um pouco mais para a construção da cabeça do personagem Horácio, do Maurício de Souza. Eu queria que meu personagem tivesse também aqueles olhos enormes que chamam a atenção do leitor. E queria que ele parecesse um pouco zangado, então vi um Horácio zangado e pensei “mas isso parece tão simples” – e foi assim. Tive que fazer algumas alterações e adaptações para ficar do jeito que me atendesse e hoje ninguém saberia disso se eu não estivesse contando…
Folha Z – O que acha de outros heróis nacionais, como Joe Ventania, Raio Negro, Velta e mais?
Gabriel Rocha – Conheço todos os três personagens, sou fã! Antes de começar a fazer minhas HQs de super-heróis eu cheguei a conhecer alguns trabalhos que realmente me cativaram, e um deles foi o Vingador Mascarado do Sebastião Seabra. Atualmente eu curto especialmente o Penitente, criação do Lorde Lobo, e o Redentor, criação do Marcos Franco. São os dois personagens mais legais do gênero, na minha opinião. Mas não é possível iniciar o assunto sem lembrar dos trabalhos de colegas fanzineiros, como o Francinildo Sena, o Luiz Lucasi e tantos outros, que se for citar um por um vai faltar espaço para falar de todos!
Folha Z – Muitos personagens brasileiros, com ótimo background inclusive, não tem a oportunidade de ir para revistas e acabam ficando nos fanzines. O que acha disso?
Gabriel Rocha – O que eu observo é que hoje há mais publicações independentes do que quando comecei a fazer quadrinhos, nos anos 90. Independentemente do estilo, ou gênero, vejo com bons olhos a diversificação das publicações independentes e comemoro a longevidade de trabalhos como as publicações Heróis Brazucas e Prismarte, as publicações da Jupiter II, ou o também incansável trabalho do Marcos Gratão. A internet é uma janela relativamente nova, totalmente aberta para a divulgação de trabalhos, e muitos autores já estão optando por publicar seus trabalhos exclusivamente pela internet.
Folha Z – Pra você, o que a internet representa para os quadrinistas brasileiros?
Uma excelente janela para a divulgação e publicação de trabalhos. Uma solução viável e de baixo custo para quem quer expor seus trabalhos para a apreciação do público leitor. Um meio de contato permanente para uma teia de relacionamentos, troca de ideias e interação entre aqueles que curtem os quadrinhos e tudo aquilo que há em torno disso. É possível ter um modelo de negócios com base na internet.
Folha Z – O Lagarto Negro já esteve em fanzines, na internet e em revistas. O personagem já foi, inclusive, publicado por diversos artistas diferentes. O que isso significa pra você, essa popularidade do seu herói.
Gabriel Rocha – O Lagarto Negro não é verdadeiramente popular. Não digo isso por auto-sabotagem! Quem conhece o Lagarto Negro é quem curte quadrinhos nacionais do gênero dos super-heróis. Vivemos em um país onde a leitura é vista quase como uma ofensa contra o ser humano. Um problema cultural grave! Não é culpa dos vídeo games, não é culpa da publicidade, é apenas um lamentável traço cultural brasileiro.
A pesquisa mais recente diz que metade dos brasileiros não lêem. A tendência de queda do número de leitores já é registrada há quase uma década. Hoje há 7,4 milhões de leitores a menos do que em 2007.
Além disso, é preciso reconhecer que leitura de quadrinhos é consumo supérfluo, e assim faz parte do universo dos bens e serviços dispensáveis. Quem tem grana sobrando para ler gibis neste nosso Brasil? Do já reduzido universo de leitores brasileiros, uma pequena fração lê quadrinhos, e destes, uma fração ainda menor se interessa por quadrinhos um pouco diferentes e menos difundidos como os nacionais e independentes. Não tem como afirmar que o Lagarto Negro seja um personagem popular num cenário tão desfavorável.
Quanto a diversificação de artistas emprestando seus talentos para produzir HQs do personagem, vejo isso como um fator de grande enriquecimento, pois cada um deixa um pouco do seu talento ali e este somatório ajuda a criar o ambiente mais próspero para o imaginário do leitor.
Folha Z – Ainda tem vontade de lançar o Lagarto Negro autoral, totalmente feito por você?
Gabriel Rocha – Já não desenho uma HQ há uns 10 anos. Atualmente eu apenas escrevo. Mas sim, tenho essa pequena ambição guardada a sete chaves! Um dia eu abro esse cofre…
Folha Z – O que podemos esperar do Lagarto Negro em um futuro próximo?
Gabriel Rocha – Estou terminando de letrar os balões de um encontro entre o Lagarto Negro e o Redentor. Esta HQ deve sair em uma edição independente em breve, com detalhes ainda por definir. Outro lançamento que está por vir é a versão impressa da HQ com o encontro entre Lagarto Negro e Escorpião de Prata, personagem do Eloyr Pacheco. Este segundo lançamento deverá sair numa nova revista do Rio Grande do Norte, com nome provisório de Inharè Quadrinhos Potiguares. As páginas já foram enviadas para o Antonieto Pereira, agora é só aguardar!
Folha Z – Gostaria de acrescentar algo?
Gabriel Rocha – Quero agradecer pela oportunidade de me expressar por meio deste veículo, que é o seu jornal, pois a boa divulgação é um fator crucial para a popularização, não só do personagem Lagarto Negro, mas da leitura de histórias em quadrinhos nacionais e independentes de uma maneira geral. Muito obrigado!
Francisco Costa é jornalista e fã de quadrinhos – [email protected]
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