Sentimento de traição
A declaração do líder do PSDB na Câmara, o deputado Carlos Sampaio, de que o partido vai pedir a cassação de Eduardo Cunha caso fique comprovado que ele mentiu, não foi bem digerida pelo presidente da Câmara. Eduardo Cunha, que até agora se escorava basicamente na oposição, e principalmente em nomes de peso do PSDB, para enfrentar o governo e parte do próprio PMDB do qual faz parte, teria reclamado com um colega, dizendo que o sentimento de traição é grande. E em parte do PSDB, a avaliação é de que a possível comprovação de que Cunha mentiu ao negar ser titular de contas no exterior, pode colocar o senador Aécio Neves (MG) em situação muito delicada. É que Aécio Neves disse, há algumas semanas, que Cunha deveria se afastar da Presidência da Câmara, para preservar o mandato. Até internamente a declaração soou como imprópria. Agora, ficou preocupante.
Sentimento de libertação
Se o presidente Eduardo Cunha está sendo obrigado a conviver com o sentimento de traição em relação a alguns parlamentares, principalmente do PSDB, para alguns deputados o sentimento é outro. Membros de partidos com bancadas menos numerosas e até mesmo para alguns figurões da política, o desgaste de Eduardo Cunha e a sangria dele, perante a opinião pública, traz um certo sentimento de libertação. Na verdade, Eduardo Cunha vem sentindo o mesmo gosto amargo do remédio que ajudou a empurrar goela abaixo do governo. Assim como vem acontecendo com a presidente Dilma Rousseff, em momento de fragilidade perante a opinião pública, cada parlamentar passa a agir de acordo com os próprios interesses, deixando de lado o até então aliado. Aqueles deputados que se elegeram graças à ajuda de Cunha, junto aos financiadores, são os que ainda têm demonstrado mais solidariedade.
Aproximação segura
Já que no campo da política a condição de aliado ou adversário muda de acordo com o interesse das partes, o Palácio do Planalto está cada vez mais atento à situação de Cunha e isso tem incomodado a ala mais esquerdista do PT. Na avaliação de um parlamentar mais ligado às origens da legenda, e que pediu para não ser identificado para evitar conflitos internos, o PT já deveria ter pedido a cabeça de Cunha. Até agora, interlocutores do Palácio junto ao Congresso têm feito vistas grossas, mas mantido os ouvidos bem atentos.
E o riso
Em conversa por telefone, na manhã de quarta-feira, um parlamentar do PT ironizou a declaração do líder da legenda na Câmara, Sibá Machado (AC), que liberou os parlamentares a votarem como quiserem no Conselho de Ética, quando for apreciado o relatório sobre Eduardo Cunha. O parlamentar brincou e criticou Sibá, dizendo que a liberação ou não por parte dele, não muda em nada. Sibá é apontado como um líder que não lidera. E não é de hoje.
Aposta em popularidade
Apesar de lamentar a tragédia ocorrida em Mariana, em conversa com este jornalista, um importante interlocutor do Palácio do Planalto avaliou que ó assunto tomou conta da mídia e afastou, temporariamente as atenções sobre a presidente Dilma Rousseff. Na avaliação da fonte, em função do distanciamento do noticiário mais negativo, a expectativa é que a popularidade da presidente volte a reagir e isso seja comprovado nas próximas pesquisas de opinião. O sangramento e o desgaste de Eduardo Cunha também devem ajudar, segundo o interlocutor. É que Cunha perdeu o poder de fogo contra o governo, de quem agora espera algum afago.
Solidariedade presidencial
Tudo bem que a mudança de foco da imprensa coloca a tragédia de Mariana no centro do noticiário e tira um pouco o foco sobre a presidente Dilma Rousseff. Mas custava a presidente demonstrar mais solidariedade, estar mais presente em Minas e se mexer para mostrar que o governo federal está de olho? Uma visitinha não basta.
José Marcelo dos Santos é comentarista de política e economia do CNT Jornal e apresentador da edição nacional do Jogo do Pode Notícias, pela Rede CNT. É professor universitário de Jornalismo, em Brasília. (E-mail para esta coluna: [email protected])
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