A primeira reunião oficial do grupo Mães pela Diversidade no estado de Goiás reuniu cerca de 30 pessoas na tarde deste sábado, 18, no Centro de Referência da Igualdade (CREI), na Avenida Goiás, em Goiânia. Mães e pais, junto aos seus filhos e filhas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, transgêneros e travestis (LGBT) comungaram de um momento que trançou fios de militância a fios de relações familiares, emoções a políticas, memórias de dor e luto a memórias de luta e felicidade.
A atual coordenadora estadual do movimento, Rosana Cintra, foi a responsável por abrir o evento. A ativista goianiense, que é mãe de um jovem transexual, destacou a importância do acolhimento da família na luta pela proteção dos filhos e filhas LGBT contra as violências homotransfóbicas, que as(os) discriminam, invisibilizam e matam, cotidianamente, sendo responsáveis por posicionar o Brasil como o país que mais produz vítimas fatais de LGBTfobias, conforme os registros do Grupo Gay da Bahia e da Secretaria de Direitos Humanos da República.
Com a voz alternando entre a força de ativista e as hesitações de suas emoções, Rosana declarou: “Somos mães e muitas vezes somos as primeiras a fechar a porta e o coração para nossos filhos e filhas “diferentes”. Mas também somos mães que, independente de qualquer coisa, precisamos amar nossos rebentos. Mães para toda obra! Mães de todas as diferenças, mães para apoiar, ajudar e estender a mão. Mães para lutar com garra e coração. Mães guerreiras, militantes e que enfrentam a sociedade de cabeça erguida, batendo no peito e dizendo: meu filho tem valor! Meu filho vai ser quem ele é, sem máscaras, sem dor e cheio de amor!”.
O encontro das Mães ocorre no dia mais simbólico possível. Há exatos cinco anos, recebíamos a notícia de morte de Lucas Cardoso Fortuna, o militante LGBT, jornalista, árbitro de vôlei e dono de boteco na cidade onde morava, Santo Antônio de Goiás. Foi somente a partir desse doloroso momento que Avelino Fortuna, pai do jornalista, aderiu à militância pela causa LGBT, já incorporada pela esposa Tânia nos tempos de glória de Lucas. Tânia era Mãe pela Diversidade antes do grupo nascer. Tornara-se conhecida por todos por seus deliciosos salgados, por sua energia juvenil para jogar vôlei e levantar tulipas de cerveja, sendo, inclusive, considerada como o coração e a alma da casa de Santo Antônio, lugar que emanava acolhimento às diversidades sexuais e de gênero por abrigar festas e reuniões do coletivo fundado por Lucas, o Colcha de Retalhos – a UFG Saindo do Armário. Em janeiro de 2012, aos 46 anos, Tânia morreu. Em novembro do mesmo ano, Lucas foi assassinado, vítima daquilo contra o que mais lutava: a homofobia.
No velório de Lucas, Avelino vestia pela primeira vez a saia que o tornaria um símbolo de militância paterna de LGBT. Hoje, o pai, que por vezes é chamado de “pãe”, é conhecido também como “o pai dos LGBT do Brasil”. Isso porque a saia que veste agora é outra: um tecido estampado com a figura de São Jorge que representa não mais o sofrimento em torno de um cotidiano devastado por duas perdas irreparáveis. Trata-se de uma saia que, em suas palavras, “grita liberdade!”. Assim, o pãe leva o nome das Mães pela Diversidade a palestras, seminários, protestos e outros atos políticos realizados em universidades, empresas, escolas e, sobretudo, na rua, nas Paradas de Orgulho LGBT, ao longo de todo o país.
No evento de hoje, a colcha de retalhos, bandeira do coletivo fundado por Lucas, o símbolo de coração-abraço das Mães pela Diversidade, além das bandeiras azul, branco e rosa do movimento transexual e de arco-íris, do movimento LGBT em geral, estamparam a sala do CREI de cores e brilho. Além disso, um pedido para que pais slogan “Sai da frente que queremos passar com o nosso amor” representou um dos principais objetivos do grupo, atrelado a sua principal estratégia política: a de acionar emoções relacionadas à performance da maternidade a fim de denunciar violações de direitos humanos que raramente são reconhecidas pelo Estado ou pela sociedade.
Mães pela Diversidade
As Mães pela Diversidade formam um coletivo político que atua desde 2014 na defesa de questões relacionadas à diversidade sexual e de gênero. Após três anos de tentativa de agendar uma reunião em terreno goiano, elas conseguiram. Dessa forma, o encontro deste sábado, 18, marcado pela lembrança de luta de Tânia e de Lucas, representou a consagração na militância de diversas outras mães e pais que não querem perder seus filhos e filhas nesta arena contra o regime cis-heteronormativo. A população LGBT de Goiás ganha, assim, a proteção e o acolhimento maternal que outros 23 Estados do país já têm. As Mães pela Diversidade goianas, enfim, nasceram.
Kaito Campos é jornalista e mestrando em Antropologia pela Universidade Federal de Goiás
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