Por Ian Caetano: Um breve guia gastronômico de petiscos para o centro de Goiânia
Nascido e criado fui na borda da cidade. Digo borda, e não periferia, pois que goza meu bairro de origem – o Garavelo – de até razoável infraestrutura, pública e comercial, vis-à-vis outros sítios da região metropolitana que da mesma equidistância circunférica partilham.
De todo modo, quando ainda na tenra – e já cada vez mais distante – idade, ir ao centro da capital era um “evento”; um “acontecimento” que despertava naquele infante de outrora entusiasmo e empolgação, brilhar dos olhos e arquear dos lábios.
Encantou-me sempre o centro. A Avenida Goiás, o mercado municipal, a Praça Cívica, a Rua 4 com teus sebos; mais tarde, os becos, a arquitetura, a rua do lazer… a despeito de quaisquer críticas (eu mesmo não tenho grandes elogios a fazer), é inegável que a atual administração municipal tem feito um interessante trabalho de revitalização do bairro central da cidade, pelo que tenho acompanhado.
Acho um movimento importante (ouvi outro dia que está já em processo a restauração das fachadas art déco do centro da cidade. Se tal empreita for de fato levada a cabo, será indescritivelmente salutar e positivo.
Reparo histórico mais que urgente para com os cidadãos que habitam a cidade com maior patrimônio arquitetônico art déco do mundo e não podem dele desfrutar por conta da imbecilidade de meia-dúzia de empresários que sequer percebem o bem que faria aos próprios negócios apoiar e investir nesta revitalização) este de uma retomada do espaço público para o convívio e não apenas para o comércio
Para além da arquitetura, da Praça Cívica, do Cine Cultura, do Museu Zoroastro Artiaga, do Cine Ouro, do Teatro Municipal, do Grande Hotel e de tantos outros pontos históricos e turísticos interessantíssimos da região central (que, caso permita-me o tempo, terão teu lugar ao sol sob minha pena), entretanto, há uma outra pérola escondida no centro da cidade: a culinária.
Quero falar de algumas curiosidades gastronômicas de botecos desta por mim tão amada região.
Nestes tempos em que a comida tendencialmente cessa de ser social/ritual – momento de congregação e partilha – para, cada vez mais, operar apenas como sustentação dos músculos e esqueletos; quando a “praticidade” de um macarrão instantâneo elimina a oportunidade de uma noite prazerosa com pessoas queridas nalguma praça ou estabelecimento e os fast-food dos shoppings cada vez mais são a opção preferida do consumidor médio, supus talvez valer a pena um breve comentário sobre alguns dos lugares que julgo terem a melhor “comida rápida” (ou “de rua”) da região central, resistência local que dignifica o centro e mantém viva uma memória que nos faz refletir sobre o significado da outrora costumeira ideia de “sair para comer”, ou de estar a caminhar de ponto “a” a ponto “b” e desfrutar de uma comida que não só abastece as vísceras, mas também conta uma história.
Enseja a reflexão sobre “por que tenho eu cada vez mais apenas engolido um salgado qualquer, ao invés de chamar o colega de trabalho ou um amigo vizinho para um almoço – mesmo que ligeiro – num dos mais variados pontos da cidade”?
A nostalgia de um egresso que conta já alguns anos não mais reside nesta – com todos teus defeitos e contradições – boa terra, fez-me, por exercício de escrita, de memória e também de saudade, rememorar alguns dos pontos altos que o centro tem a oferecer. Que não me traia minha memória.
Falarei de petiscos e de alguns locais clássicos da cena central da capital do césio. Espero que apreciem.
Antes de prosseguir, apenas adianto: não há nenhum tipo de cachê ou publicidade paga nestas indicações. São apenas sugestões modeladas por uma memória bastante afetivamente influenciada deste que vos escreve.
1. Sucupira’s Bar
Localizado na Av. Anhanguera, contornando a praça Botafogo (caminho do eixo), é um dos bares mais tradicionais do bairro da Vila Nova (o fronteiriço entre o setor Universitário e o Centro).
Além dos “pratos feitos” típicos dos botecos da Vila Nova, o diferencial da casa, no campo dos petiscos, são a porção de costela bovina com mandioca (já inclusive premiada) e o torresmo frito.
ATENÇÃO para os horários. É uma casa diurna (abre logo cedo e fecha por volta das três da tarde) e o melhor é pegar as frituras cedo, frescas.
Os preços dos alimentos são bastante acessíveis, os das bebidas nem tanto (embora estejam dentro da faixa praticada no bairro), mas é um excelente ponto de parada quando daquela vontade urgente de uma refrescada na garganta e um leve acalento ao estômago. Tem também uma bela conserva de pimenta desenvolvida pela casa.
Ficou por três gerações sob administração da família Sucupira e, atualmente, é de propriedade de uma antiga funcionária da casa, que trabalha lá praticamente desde a fundação.
Outra sugestão: vendem lá um coquetel chamado Pica-pau, receita exclusiva da casa, e que é bastante gostoso (caso queira o cliente, vendem também a garrafa fechada).
2. Bar Corrente Benzinho
Por diversos anos pioneiro e quase monopolista na venda de frangos assados em estufa (o famoso “frango de tevê”, ou “frango de padaria”) de Goiânia.
Localizado na 3ª avenida, botequim clássico da boemia central da cidade.
Com cerveja bem gelada, tipicamente lembrado aos domingos por aqueles que gostam de uma ampola com véu de noiva a ser degustada casada a um belo frango assado com farofa. Frango a bom preço, retalhado na hora. Além do ambiente típico da vila nova.
3. Empada do Seu Alberto
Nas entranhas do Mercado Central (com acesso tanto pela Av. Anhanguera, quanto pela Rua Três) há uma lanchonete que, apesar de ter começado pela venda de pastéis, fez renome nacional com a venda de empadas.
A empada do seu Alberto é uma instituição goiana. Tem reputação comprovada pela sua qualidade, tendo sido consumida inclusive por várias personalidades do meio artístico que por terras goianas passaram e também a convites alhures atendidos à época em que seu Alberto ainda era o principal cozinheiro (registrados tais acontecimentos nas diversas fotos que ornam o fundo do estabelecimento).
É verdade que – após a aposentadoria do seu Alberto – perdeu um pouco do brilho quando passaram de a – diferentemente do antes – preparar as empadas com maior período de antecedência (numa cozinha matriz. Congeladas, portanto) e apenas finalizá-las (assá-las) na casa (quando antes todo o processo era diário e lá mesmo executado).
Tive ainda o privilégio não só de ver seu Alberto em atividade, como de comer à época em que ainda era tudo preparado em loco, na hora.
Ainda assim, é das grandes iguarias que o centro tem a oferecer.
Uma observação importante: têm investido cada vez mais na ampliação de seu cardápio vegetariano e vegano.
Outra: você tem direito a uma saladinha na compra da empada, para dar aquela refrescada na hora de comer; além de contar com um molho de pimenta desenvolvido pela própria casa e sucos naturais.
3.1. Adendo: Bar da Bruna
Há no mercado central também o “Bar da Bruna”, logo na entrada da Rua Três.
Para quem gosta de uma boa cachaça curtida em raízes, cascas e frutas, indicação de primeira ordem.
Foge do comum da “sucupira” ou do “murici” – comuns em qualquer boteco – e apresenta uma vasta carta de pingas curtidas em raízes, frutas e cascos de tronco a bom preço.
Menciono como adendo apenas por ser no mercado e, apesar de não ser um bar de petiscos, é um excelente lugar para desfrutar da empada do seu Alberto na companhia de uma boa cerveja gelada.
4. Pizzaria China
Localizada na rua Sete do centro da cidade, acima da Av. Anhanguera, é uma das mais antigas casas de refeição ainda em vigência na região.
Opta pelo básico bem feito. Apenas três sabores de pizza: calabresa, presunto e mozzarella.
Um estabelecimento que conta com os mesmos cozinheiros praticamente desde a fundação, é uma excelente casa para pizzas despretensiosas, simples, porém saborosas.
Um lastimável detalhe é não venderem cerveja, mas oferecem bons sucos feitos na hora. A pizza é montada, assada na hora e servida direto no balcão. Uma das melhores pizzas da região.
5. Corina Sanduicheria
Os preços não são os mais módicos para o que se convencionou chamar “comidas de rua” encontráveis no centro, mas são lanches generosos e muito bem feitos. Dos melhores pit-dogs da cidade.
Situado na praça Boa Ventura, também na fronteira entre Centro, Universitário e Vila Nova, é um dos bons locais para um lanche bem feito e que entrega aquilo que cobra.
Fica aberto até um pouco mais tarde, então, quando do roncar do estômago, seja após uma noite de farra, seja pela preguiça de lidar com as panelas, é uma das boas opções que a região tem a oferecer.
Acompanha os lanches uma maionese de ervas preparada na própria casa muito gostosa.
6. Estação do Açaí
Ao início da rua Quatro no centro da cidade, antes de começarem os sebos de livros, antes mesmo de cruzarmos a Av. Araguaia, encontramos a Estação do Açaí.
Casa já tradicional do bairro e da rua, vende açaí em natura (na contramão destes “sorvetes processados” que encontramos noutros cantos depois de açaí virar moda).
Bem gelado, com porções de tamanhos variados e que podem ser complementadas com acréscimos os mais diversos: mel, banana, paçoca, granola, etc.
Um excelente lugar para comer nos dias quentes ou como contra-balanço após uma refeição salgada, para uma paquera de leve ou uma substituição do almoço nos dias em que o estômago pede algo menos pesado.
7. Casa Liberté
Esta não é tradicional, mas tem feito tradição. Na intenção de uma mescla heterogênea de negócios, a Casa Liberté abriga uma barbearia, um café, um estúdio de tatuagem, e também um bar, sendo este último o principal negócio da casa.
O bar, além de uma das mais diversificadas cartas de drinks (bem feitos) e cervejas da cidade a bom preço, tem também um inventivo cardápio de refeições.
Para além das opções triviais (batatas e porção de bolinhos fritos, sanduíches etc.), destaco cá dois grandes aperitivos da casa: uma porção de pães sírios pequenos com pasta de berinjela absolutamente deliciosa; e também um quite de três espetos de queijo coalho entremeados com bacon e regados a mel.
Observação: ao aproximar do final de semana a casa tende a lotar cedo, portanto, caso queiras sentar-se, estejas precavido.
Localizada no casarão da Rua 19 (antigo espaço cultural do Sesc), vizinho ao colégio Liceu, a Liberté é uma das novas revelações culturais e de entretenimento da cidade – que transforma sem deturpar.
Sempre disposta a receber exposições artísticas, intervenções, debates e agora também, periodicamente, abriga um cineclube. Uma casa toda ornada com obras de vários e várias artistas e, principalmente, de um de seus proprietários.
Trilha sonora temática sempre acurada, o que a torna, além da qualidade da comida, da bebida e do atendimento, lugar bastante convidativo para um petisco e uma bebida.
Detalhe: têm investido na ampliação das opções veganas e vegetarianas.
Bônus: Sorveteria Beijo Frio
Ao subir a Av. 84 saindo da praça cívica rumo ao Setor Sul, passarás pela sorveteria Beijo Frio.
Uma casa de sorvetes artesanais deliciosos e que, detalhe, fica aberta 24h. Seja de dia, seja à noite, sorvete não lhe faltará!
Em funcionamento desde 1968, é daqueles lugares que eram ponto de encontro a quem quer que quisesse fazer algo na cidade: paquera, pós-farra, larica… esta vai como bônus por não ser exatamente um boteco ou petiscaria.
Enfim
Aprendeu a boicotar os fast-food do Banana Shopping e demais? Tentei cá contribuir com algumas sugestões que julgo bastante pertinentes e com preços ou menores, ou equivalentes, aos que pagaria qualquer um dos perseverantes leitores em uma rede de comida processada ou nalgum shopping ou complexo comercial pela região.
Não é exatamente meu estilo de texto, nem sou crítico gastronômico, mas convido aqueles que por estes locais passarem, que enderecem suas impressões e comentários.
Existe uma dupla reflexão que serve de alavanca para estas breves reminiscências.
De um lado, mais e mais temos aberto mão de uma alimentação menos abarrotada de toxinas e com menos processamento, por refeições “rápidas”, com cada vez mais potentes e prejudiciais químicos, com cada vez menos sabor da matéria-prima original e cada vez mais indescritíveis aditivos na sua composição.
De outro lado – este mais central na abordagem aqui elaborada – há o fato de que, com os aplicativos de entrega e com estes modelos cada vez mais utilitários de restauração (leia-se: comer para sustentar uma coluna ereta), avançamos numa mudança paradigmática que tem com urgência de ser refletida.
Nunca romantizei os “jantares de domingo” familiares, porque a família é um caça-níquel que pode ou não dar fortuna, mas é consenso antropológico – e a história o valida – que o alimentar-se, o partilhar da experiência de uma refeição é das mais primitivas e universais formas de socialização e, ato contínuo, de reflexivo reconhecimento mútuo entre semelhantes.
Temos perdido isso. Acho que enunciar e salientar a importância deste debate, pelo exemplo de locais onde estas práticas – ainda que com dificuldades, contraditórias, restritas e bastante nichadas – persistem é um primeiro passo.
Todos os bares e lanchonetes apresentados têm este mesmo denominador comum: uma tentativa de manter o convívio social – os espaços públicos de partilha e diálogo – vivos. Na contramão do que impera hoje nos modelos de negócio de alimentos (comprar, pagar, comer e sair), ou de bebidas (comprar e levar).
Espero que os que este texto lerem desfrutem das sugestões e levem bons parentes, amigos, uma paquera a espera de convite… enfim, que circulem pelos meandros e entranhas deste centro da cidade, nos teus escassos, porém perseverantes, espaços de resistência. Que convivam.
Um último arremate: a ordem na qual os bares e lanchonetes estão elencados não reflete preferência ou hierarquia de qualquer sorte.
*Ian Caetano é doutorando em sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), mestre pela mesma instituição e graduado em ciências sociais pela UFG
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