Leandro de Castro
Se há 62 anos as mulheres brasileiras ainda precisavam de autorização dos maridos para abrir uma empresa, hoje elas não só lideram negócios, como também revolucionam setores inteiros com inovação, compromisso coletivo e sustentabilidade.
Em cenário ainda marcado por desigualdades de gênero, elas conquistam espaço com criatividade, resiliência e propósito, impulsionando uma economia mais diversa e conectada aos desafios contemporâneos.
Um dos exemplos dessa transformação vem do coração do Cerrado, na cidade de Aparecida de Goiânia, com a startup Luna Green, fundada pela engenheira de bioprocessos Nathalia Barbosa.
A empresa transforma resíduos em ativos biotecnológicos de alto valor para a indústria cosmética.
“Tudo começou há seis anos com uma ideia ousada: transformar um resíduo orgânico em um insumo para a indústria cosmética. Durante uma pesquisa do meu mestrado em Ciências Farmacêuticas com extrato de goiaba, percebi que minhas mãos ficavam hidratadas e pensei que isso poderia resultar em um produto cosmético. Comecei então a desenvolver um esfoliante natural a partir dos resíduos da goiaba”, conta Nathalia.
A aposta deu certo.
O esfoliante se transformou no ponto de partida da Luna Green, hoje referência em bioeconomia circular e inovação sustentável.
Sustentabilidade com compromisso coletivo

A startup atua na recuperação e utilização de insumos naturais extraídos de plantas cultiváveis ou subprodutos ainda não aproveitados em sua totalidade pela indústria, como os rejeitos agroindustriais, e os transforma em insumos de alto desempenho para o setor de cosméticos, promovendo benefícios ambientais e agregando valor à cadeia produtiva.
Além da sustentabilidade, a empresa contribui com o desenvolvimento econômico regional, comprando preferencialmente de pequenos produtores, fábricas e cooperativas locais.
“Os produtos que desenvolvemos também apoiam comunidades quilombolas com matérias-primas do Cerrado, comunidades de mulheres, cooperativas e vários outros”, acrescenta a CEO.
Hoje, a Luna Green conta com um portfólio de mais de 300 produtos, exporta para todos os estados brasileiros e para países como Chile, Bolívia, Guatemala e Colômbia.
“É uma realização que vai além do profissional. É uma missão. Todos os nossos extratos e ativos são pensados com responsabilidade socioambiental”, afirma a empresária.
Desafios do empreendedorismo feminino

Apesar do sucesso de iniciativas como a Luna Green, a trajetória de Nathalia Barbosa ainda é exceção em um cenário que impõe inúmeros obstáculos às mulheres que desejam empreender.
No Brasil, elas representam cerca de 34% dos donos de negócios, aproximadamente 10,3 milhões de empreendedoras, segundo dados do Sebrae com base na PNAD/IBGE.
No entanto, a maior parte dessas mulheres está à frente de micro e pequenos negócios, com menor faturamento, dificuldades no acesso ao crédito e redes limitadas de apoio.
Em Goiás, as disparidades seguem a mesma lógica nacional e são ainda mais visíveis quando se observa o recorte da mulher empreendedora dentro do contexto familiar e financeiro.
Segundo dados da PNAD Contínua (IBGE, 3º trimestre de 2024) e do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica da Receita Federal, o estado conta com cerca de 1.655.000 mulheres ocupadas, das quais 353 mil atuam como empreendedoras, o equivalente a 21% do total.
A média de idade desse grupo é de 42 anos.
Um dado que chama atenção é a estrutura familiar em que essas mulheres empreendem: 78% das empreendedoras com negócios em casa dividem o espaço da residência com cônjuges e/ou filhos, enquanto outras 12% vivem com pais, avós ou irmãos.
Isso significa que muitas precisam conciliar a rotina do negócio com as responsabilidades domésticas e de cuidado, uma carga mental e física que ainda recai majoritariamente sobre elas.
A divisão do espaço da casa entre trabalho e família surge, assim, como um dos principais desafios de quem empreende a partir do lar.
Outro abismo aparece nos rendimentos: enquanto as mulheres que tocam negócios em casa em Goiás têm uma média de renda mensal de R$ 1.755, os homens na mesma condição faturam em torno de R$ 3.663, uma diferença de 108%.
Ou seja, mesmo com grau de escolaridade similar, elas ganham menos da metade do que eles. Esse dado evidencia a urgência de políticas públicas e iniciativas privadas voltadas à valorização e ao fortalecimento do empreendedorismo feminino.
A escolaridade também é um recorte relevante.
Em Goiás, 45% das empreendedoras têm escolaridade entre o ensino médio incompleto e completo, enquanto 35% possuem ensino superior.
Já as mulheres com menor nível de instrução, sem escolaridade ou com ensino fundamental, representam 20% do total.
Essa distribuição mostra que, embora o grau de instrução seja um fator significativo para o sucesso do negócio, não é o único.
Somado a isso, apenas 4 em cada 10 mulheres empreendedoras conseguem obter crédito formal para investir em seus negócios, percentual inferior ao dos homens.
Os dados do Instituto Rede Mulher Empreendedora revelam que 75% das mulheres empreendem por necessidade, seja para complementar a renda familiar ou por não encontrarem oportunidades no mercado de trabalho formal.
Isso significa que, para a maioria delas, empreender é uma alternativa de sobrevivência, não uma escolha estratégica.
Diante disso, a história da Luna Green se destaca não apenas pela inovação e impacto socioambiental, mas por revelar o que pode acontecer quando uma mulher tem acesso a conhecimento, redes de apoio e políticas de fomento.
É um exemplo inspirador, mas que ainda precisa deixar de ser exceção para se tornar regra.
Apoio para crescer

Nesse contexto, a jornada de Nathalia Barbosa ganha ainda mais força.
Mulher, cientista, gestora e inovadora, ela superou barreiras estruturais e transformou uma ideia nascida no laboratório em um negócio escalável, sustentável e com forte contribuição social.
Seu trabalho já foi reconhecido com prêmios como Mulheres Inovadoras, Espaço Finep, além da seleção entre as 24 melhores startups do programa Sebrae Like a Boss, em 2022.
Parte essencial dessa trajetória foi construída com o apoio do Sebrae, que tem desempenhado um papel estratégico na formação, aceleração e consolidação de negócios liderados por mulheres.
No caso da Luna Green, o suporte veio por meio de programas como o Sebrae Startups, o Catalisa ICT, o Sebraetec e o Sebrae Delas, este último, durante a pandemia, se tornou um divisor de águas para a empresa. Além disso, a startup participou de iniciativas como ALI, Pro Globo, Capital Empreendedor e programas de incentivo à exportação.
“Nós sempre buscamos aproveitar todas as oportunidades que o Sebrae oferece. Com certeza, só chegamos até aqui porque tivemos o apoio da instituição em cada etapa”, afirma Nathalia.
“Fazer parte desse ecossistema nos orgulha muito, pois foi ali que criamos o site com o Sebraetec, recebemos mentorias, conexões e aprendemos o que precisávamos para crescer”, acrescenta.
De acordo com Vera Lúcia Oliveira, gestora do programa Sebrae Delas, o impacto dessas iniciativas vai muito além do conteúdo técnico.
“O Sebrae Delas atua fortalecendo as mulheres em três pilares fundamentais: o desenvolvimento pessoal, a gestão do negócio e a construção de redes de apoio. Quando uma mulher se reconhece como protagonista da própria história, o potencial de transformação se multiplica, na vida dela, na empresa e em toda a comunidade ao redor”, pontua.
Renda e liberdade

Ainda segundo a gestora, além do retorno financeiro, o empreendedorismo feminino também exerce um papel social libertador.
“Muitas mulheres que chegam até nós, vêm de histórias de violência ou abandono e não conseguem sair dessa realidade por falta de renda. O negócio próprio pode ser uma porta de libertação. Afinal, hoje a gente escolhe como quer viver, o que quer vestir, o que quer produzir. Somos mulheres donas de nós mesmas”, ressalta Vera.
Esse processo de emancipação ultrapassa o individual e ganha força e resistência na coletividade.
“Uma vai puxando a outra. Quando uma aprende, ensina a próxima. A rede de apoio formada entre as empreendedoras se torna um alicerce fundamental para que mais mulheres possam reescrever suas histórias com dignidade, autonomia e pertencimento”, salienta a gestora.
Rede que inspira

Um exemplo dessa força coletiva é a Caravana Delas, evento promovido pelo Sebrae no último dia 29 de maio, que reuniu cerca de 1,5 mil participantes com o objetivo de estimular o empreendedorismo feminino, ampliar o acesso ao crédito e conectar mulheres a agentes financeiros e grandes players do mercado, como a influencer e empresária Nathália Rodrigues e a atriz e empresária Giovanna Antonelli.
Para Vera Lúcia, esse tipo de iniciativa fortalece de forma significativa o ambiente empreendedor feminino.
“Eventos como a Caravana Delas são oportunidades únicas para que as mulheres possam ampliar seus conhecimentos, acessar recursos financeiros e expandir suas redes de contato. É nesse espaço de compartilhamento e apoio que elas encontram inspiração e ferramentas para transformar seus sonhos em realidade”, diz.

O presidente do Conselho Deliberativo Estadual (CDE) do Sebrae Goiás, José Mário Schreiner, também reforça a importância dessas ações.
“Vivemos um momento extremamente relevante, em que as mulheres ocupam cada vez mais espaços. E o principal objetivo do Sebrae Goiás com eventos como esse é justamente enfrentar os principais gargalos, como a informalidade, a diferença de renda entre homens e mulheres e o acesso ao crédito”, sublinha.
Rumo à COP30: mulheres à frente da bioeconomia

Com a realização da COP30 em Belém, em novembro deste ano, o Brasil ganha visibilidade internacional como protagonista da transição ecológica.
E é justamente nesse cenário que negócios liderados por mulheres, como a Luna Green, mostram que é possível unir inovação, sustentabilidade e responsabilidade social.
“O mundo inteiro está voltando os olhos para soluções baseadas na natureza e na economia circular, e é muito simbólico ver esse protagonismo vindo também do Cerrado, com uma mulher à frente”, afirma Nathalia Barbosa.
Para o Sebrae, iniciativas como a Luna Green representam o futuro da economia brasileira. “A COP30 será uma vitrine global. Mostrar que temos mulheres empreendedoras à frente de soluções biotecnológicas com benefícios ambientais e sociais é uma oportunidade de posicionar o Brasil como uma potência verde, inovadora e inclusiva”, destaca Vera Lúcia Oliveira.
Empreender é possível

Mesmo aquelas que ainda não sabem exatamente o que querem empreender encontram no Sebrae um ponto de partida.
São 12 agências em Goiás, além de uma plataforma online com mais de 100 cursos gratuitos focados no público feminino, uma comunidade com mais de mil mulheres conectadas via WhatsApp e um espaço digital com iniciativas de apoio, capacitação e visibilidade para negócios liderados por mulheres.
Esse ambiente de suporte vai além do aprendizado técnico, ele gera pertencimento, fortalece redes de apoio e abre caminhos reais para o crescimento.
É nesse solo fértil que iniciativas como a Luna Green criam raízes e prosperam.
Entre a goiaba que antes seria descartada e o cosmético sustentável que hoje cruza fronteiras está a prova de que, quando uma mulher encontra apoio para empreender com propósito, ela transforma não apenas sua história, mas também o futuro de toda uma comunidade.
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