As entrevistas com os candidatos já começaram, os debates nas emissoras de TV também já estão agendados e os programas obrigatórios de televisão e rádio terão início em Agosto. O que mais impressiona é como a maioria dos candidatos faz a mesma campanha de anos anteriores como se nada tivesse acontecido de diferente nos últimos anos. Os temas são tratados pela aparência e os discursos formulados pelos marqueteiros que fazem a maquiagem para tentar “vender o produto”, além da influência dos cabos eleitorais e compradores de votos, tão comum na política em Goiás, ainda pesa para distorcer o processo eleitoral os investimentos milionários e o tempo desigual nos espaços da mídia.
Talvez, para contribuir um pouco com o debate, vale lembrar que a política é uma construção de grupos e nunca uma mera questão de vontade ou competência individual e algumas perguntas importantes talvez sejam: quais interesses estão em jogo no processo eleitoral, quais são os grupos econômicos/sociais que influenciam e financiam as eleições? Os candidatos representam os interesses desses grupos? As eleições realmente são democráticas e permitem a circulação das idéias e a livre decisão dos eleitores? Só existe esse jeito de fazer política e tomar decisões? Bom, segundo tabela divulgada pelo O Popular, 80% dos candidatos financiados pelos grandes grupos econômicos foram eleitos nas eleições estaduais de 2010. A análise da tabela é feita pelo professor da Faculdade de Geografia da UFG Tadeu Arrais no livro A produção do território goiano e revela o alto investimento de setores como a agroindústria, o setor farmoquímico, o setor automobilístico, a construção civil no financiamento das campanhas eleitorais. Tais empresas são organizações que tem como finalidade o lucro e, portanto, trata-se de um investimento. Estas empresas esperam, é claro, algum retorno. E o mais interessante é que estas mesmas empresas estão na lista das contempladas com financiamentos como PRODUZIR, FOMENTAR e FCO. Quando os eleitores votam, será que se perguntam quais interesses representam seu candidato? Ou será que são levados pelas promessas e discursos simpáticos formulados pelos marqueteiros?
“Vem pras urnas”
Em 2013 e 2014, estudantes e trabalhadores foram às ruas em grandes manifestações que tinham o chamado “vem pra rua”. Agora o Tribunal Superior eleitoral faz o chamado “vem pras urnas”, tentando mobilizar a população para o voto. Acontece que a população foi às ruas desacreditada com a política tradicional e com as velhas formulas eleitorais e foi nas ruas que conseguiu barrar os aumentos abusivos no transporte e questionar a inversão de prioridades com a realização da copa do mundo no Brasil. A participação direta demonstrou-se muito importante para dar visibilidade a temas que são ignorados pela maioria dos políticos profissionais, contudo, a negação de tal situação ainda não levou a elaboração coletiva significativa de uma proposta de ação para que a população assuma para si o poder de decidir, de auto gerir as riquezas socialmente produzidas. Ou seja, a consciência coletiva avançou para negação da situação, mas ainda se limita a reivindicar “algo de alguém que deve resolver o nosso problema”. Como lembra o professor Mauro Iasi, na obra Ensaios sobre consciência de classe, uma consciência revolucionária se movimenta no sentido de dizer que é possível assumir o controle das mudanças e não reivindicar de alguém que resolva por nós. O vício do jogo eleitoral pouco contribui para o avanço da consciência, pois nos coloca mais uma vez a espera do “messias”, do “competente”, do “madrugador” que finalmente irá resolver nossos problemas. Ora, se somos nós que produzimos a riqueza, que trabalhamos nas indústrias, no comércio, nas escolas, nas Universidades, nos hospitais…porque não podemos, nós mesmos decidir sobre as questões mais importantes, como orçamentos da saúde, da educação, sobre as prioridades econômicas?
O estado de Goiás está entre os que mais concentram riqueza, a cada 30 dias temos 5 novos milionários. Crescem condomínios fechados envolta da capital do Estado que revelam uma desigualdade social assustadora. A cidade de Goiânia é campeã em desigualdade na América Latina e está entre as 10 mais desiguais do mundo, segundo dados são da ONU. A região do entorno de Brasília está entre as mais carentes de atendimentos básicos e entre as mais violentas do país. Enquanto isso a economia da soja e da cana batem recordes de crescimento. Nem um processo eleitoral tem sido capaz de conduzir para mudanças nesta situação. Pelo contrário, os grandes investidores, como os grupos econômicos que mencionei no início do texto, continuam bancando a maioria dos candidatos eleitos e submetendo o que deveria ser interesse público à interesses privados. Os candidatos que estão a frente das pesquisas contam com uma campanha milionária e contratam gente desempregada estado a fora, além de fazerem promessas de empregos e cargos após a prevista vitória eleitoral, situação que deixa pouco espaço de avanço de uma consciência crítica e autônoma. Parece que muita gente, desacreditada no processo eleitoral, vê nas eleições somente o momento de alguma renda a mais ou quem sabe um futuro emprego.
Tempo de questionar
Os candidatos que estão a frente das pesquisas ainda vão contar com o maior tempo nas emissoras de televisão e nas rádios, o que torna qualquer proposta de mudança sem muito espaço para se propagar, mas quem sabe seja possível, ainda assim, fazer política de outro jeito. Para aqueles que estiveram nas ruas nas manifestações de Junho de 2013 e nas manifestações de 2014, talvez seja a hora de ocupar os espaços para questionar o jogo eleitoral e propor caminhos para que a decisão seja descentralizada para além de deputados, senadores e governadores para a participação direta da população.
Mas caro leitor, se mesmo depois de muito pensar, resolver ainda votar, que seja após uma longa reflexão sobre quais interesses cada candidato representa, qual classe, qual grupo, que seja um voto para além das aparências do “espetáculo eleitoral”, que seja um reflexo das lutas que continuarão a ocupar as ruas, pois, para superar a sistêmica desigualdade social, não bastará o voto, será necessário reinventar a democracia, fazendo das ruas o novo parlamento. Aliás, vale lembrar, para aqueles que estão com medo dos movimentos que vem das ruas, que este foi o princípio que fundou o sistema republicano, o “direito de rebelar-se contra governos tiranos”, assim nasceu o princípio de que todos devem ser “iguais perante a lei”. Conquistamos a igualdade de direito, falta-nos a igualdade de fato e a conquistaremos também nas ruas.
Fernando Viana é mestrando em História pela UFG, professor de História e membro da direção do Partido Comunista Brasileiro em Goiás
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