O avanço ou retrocesso da humanidade faz com que os costumes e o homem caminhem de forma inexorável (para o bem ou para o mal). Quando um indivíduo age de tal forma que altere significativamente um fenômeno social, tal ato ou fato pode gerar consequências com vistas para o mundo jurídico ou não. Hodiernamente as tecnologias e as conquistas das ciências trazem benesses ou malefícios a essa mesma sociedade. Cabe ainda aclarar que historicamente aconteceram resistências do homem e indiferenças ao “novo”, a exemplo do invento do telégrafo, da criação do telefone à televisão e como diversas outras tecnologias que permeiam e são quase que imprescindíveis à nossa existência.
Com o advento da internet, da ciência telemática e do direito eletrônico, tem-se a óbvia impressão que necessitaríamos de um novo arcabouço de leis para regular as “novas” relações jurídicas exclusivamente oriundas dos novos aparatos tecnológicos e da rede mundial de computadores. Todavia, não foi necessária a criação de um direito “telefônico” ou “televisivo” para regular as mesmas relações.
No direito eletrônico, temos a mesma linha de raciocínio. Seria realmente necessário uma nova legislação para controlar a internet e as relações com todos os gadgets e eletroeletrônicos que nos circundam e nos dominam cada vez mais, nos tornando dependentes e reféns dessa mesma tecnologia? Diversas leis (crimes eletrônicos, marco civil, LDA, etc.) foram promulgadas ou alteradas recentemente, e de forma polemizada se discutiu por algumas correntes doutrinárias e reascendeu o debate entre os especialistas e técnicos do direito informático sobre sua devida relevância, como vem acontecendo com o Marco Civil da Internet.
A guia de um exemplo, um crime de furto qualificado, mediante fraude, praticado dentro da internet seria realmente diferente de um crime de roubo interpessoalmente praticado contra uma instituição bancária? A pena do primeiro crime deveria ser maior devido ao considerável prejuízo contra instituições financeiras? Ou não justificaria tal incremento, devido ao bem jurídico tutelado do segundo crime ser potencialmente diverso do primeiro?
A liberdade de expressão e pensamento praticada dentro da internet e nas redes sociais difeririam da já estatuída na nossa Carta Magna (art. 5º, incisos IV, VI, VIII, IX, XIV) em decorrência da promulgação do artigo 3º inciso I da Lei nº 12.965/2014 (do Marco Civil) ou o momento político e o interesse público-privado mudou? O dispositivo que trata da neutralidade da rede (artigo 3º, inciso IV), frente à livre iniciativa e a livre concorrência estampadas na Constituição (artigo 1º, inciso IV e artigo 170, caput, e inciso IV) e o artigo 2º, inciso V da respectiva lei ordinária, como deveriam ser realmente interpretados?
A proteção da privacidade e dos dados pessoais no artigo 3º, incisos II e III da mesma lei não traz em sua essência nenhuma novidade haja vista o estatuído no artigo 5º, inciso X da CF/88? Ou a regulação de um novo diploma ou norma infraconstitucional, da magnitude do Marco Civil ou do projeto de lei de proteção de dados pessoais (visando o comércio eletrônico) terão serventia para uma consolidação, orientação e execução de normas regulatórias nas futuras relações jurídicas advindas desse imponente veículo de comunicação global?
Respostas para tais indagações envolvem interesses de diversas camadas da sociedade. Algumas vezes interesses obscuros com uma roupagem “principiológica”, travestida de “legalidade”, “segurança jurídica”, e leis “milagrosas”, mal redigidas em detrimento de outras garantias fundamentais estatuídas na mesma Carta Constitucional de 1988. Afinal de contas, podemos realmente pensar que os direitos do povo estariam sendo devidamente respeitados e assegurados por razões honrosas e louváveis? Só o tempo e a ação do homem irão dizer.
Guilherme Tomizawa é mestre em direito e professor do MBA Direito Digital do Instituto de Pós-Graduação (IPOG)
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