Com a execução de Marco Archer na Indonésia no sábado, 17, por tráfico de cocaína, uma pergunta vem à tona: até que ponto a guerra às drogas irá reverter as conquistas do processo civilizatório com suas penas cruéis e desproporcionais?
Não é apenas a Indonésia que aplica pena de morte para a compra e venda de drogas proibidas. De acordo com relatório da Harm Reduction International, organização que defende políticas de redução de danos para as drogas, 33 países e territórios preveem pena de morte por crimes de drogas — em 13 deles a sentença é obrigatória.
A situação desses países é anômala até mesmo para os parâmetros internacionais da guerra às drogas, como definidos pelo Escritório de Drogas e Crimes da ONU. Em uma nota de 2010, o diretor executivo do órgão afirma que a política de drogas deve estar sujeita ao direito internacional dos direitos humanos: a pena de morte, se existir, deve estar restrita a crimes que atentam contra a vida.
O princípio do direito internacional é radical: o estado não pode ter a última palavra quanto a nossos direitos. Contudo, contraditoriamente, ele reconhece a legitimidade do estado para criminalizar as drogas e acaba autorizando sua brutalidade, tanto explícita como no caso da Indonésia como as mais sutis que encontramos em países do Ocidente.
Um relatório da ACLU (União Americana pelas Liberdades Civis), de 2013, mostrou que, no sistema penitenciário norte-americano, mais de 3.000 detentos estavam presos condenados à prisão perpétua sem direito à liberdade condicional por crimes não violentos, abrangendo desde delitos de drogas até contra a propriedade.
Casos como o de Dale Wayne Green são frequentes: condenado à prisão perpétua sem direito à liberdade condicional por seu papel como um intermediário na venda de maconha no valor de R$ 20. Isso porque essa seria sua “terceira falta”.
Em 2009, incrivelmente, a sentença média em casos de estupro era de 6 anos de prisão, enquanto a lei americana determina penas mínimas pela posse de determinadas quantidades de drogas em 10 anos de prisão, dobrando para 20 em caso de condenação anterior.
No Brasil, a situação é parecida. Tramita no congresso proposta de lei, que contava com o apoio do candidato de oposição nas últimas eleições, de redução da maioridade penal para “crimes hediondos”, dentre os quais a legislação brasileira inclui o “tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins”.
A tendência para o endurecimento das leis de drogas brasileiras é clara após as eleições de 2014, que elegeu vários congressistas com palanques estridentes antidrogas. Enquanto isso, a presidente reeleita Dilma Rousseff também prometia fortalecer “segurança pública” com mais concentração de poder no governo federal, como durante a Copa do Mundo, defendendo uma integração entre polícias e forças armadas.
As consequências do combate às drogas no país são visíveis: várias cidades brasileiras entraram na lista de cidades com maior número de homicídios do planeta e o país tem uma extensa lista de execuções ligadas ao tráfico – embora extrajudicialmente, claro.
A criminalização das drogas cria o ciclo de violência relacionado à droga atualmente no Brasil. Precisamos lutar pela redução do papel do direito criminal justamente para reduzir a violência. O preço da liberdade é a eterna vigilância, e, em nosso próprio país, temos de ter consciência de que Marco Archer não foi a primeira nem será a última vítima brasileira da guerra às drogas.
A Indonésia é cruel, mas o Brasil não fica tão atrás. Marco Archer provavelmente não sobreviveria nem mesmo aqui.
Valdenor Júnior é advogado e escritor do Centro por uma Sociedade Sem Estado (c4ss.org)
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