Por Leandro de Castro
“A criança pode ser pequena, mas é esperta e inteligente e sabe que algumas partes a gente trata diferente”. Frase literária, no estilo cordel, retirada da cartilha “Saliência Comigo Não!” e contextualizada em uma realidade, infelizmente, bastante presente nas comunidades tradicionais: a exploração sexual de menores e adolescentes.
E é diante deste contexto que o Ministério Público de Goiás (MP-GO), pautado pelo seu compromisso público e social e por meio de sua atuação extrajudicial com foco na transformação da sociedade, idealizou a cartilha “Saliência Comigo Não!”, que visa orientar crianças e adolescentes de comunidades quilombolas, em especial os Kalungas, sobre o que é violência sexual.
A iniciativa, elaborada em forma de cordel, com ilustração e texto que trazem identificação com os quilombolas e a região, foi, inclusive, vencedora do 20º Prêmio Nacional de Comunicação e Justiça em 2022. Fato que comprova que o trabalho do MP-GO tem ultrapassado as esferas judiciais, indo diretamente ao encontro dos anseios da sociedade, estreitando a sua relação institucional com a coletividade e reforçando, assim, o diálogo com todos aqueles que buscam por resolutividade de forma eficaz e ágil por meio dos seus mais diversos instrumentos extrajudiciais.
Saliência Comigo Não!
Lançada em 18 de maio de 2021, Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, a cartilha “Saliência Comigo Não!” foi elaborada a pedido da 1ª Promotoria de Justiça de Cavalcante e contou com o apoio de integrantes do MP-GO da Área da Infância, Juventude e Educação do Centro de Apoio Operacional, das Unidades Técnica-Pericial em Psicologia e Pedagogia e da Assessoria de Comunicação Social.
Durante o seu lançamento, realizado de forma virtual e com ampla interação de membros da rede de proteção à criança e ao adolescente de sete municípios da Região Nordeste que possuem comunidades quilombolas, o procurador-geral de Justiça de Goiás, Aylton Flávio Vechi, evidenciou o papel da campanha que, segundo ele, é uma importante ferramenta de combate do MP-GO contra essa problemática.
“Essa é uma iniciativa de suma importância, não só para a sociedade de Cavalcante, mas para toda a sociedade goiana e brasileira. É uma forma expressa do Ministério Público de se posicionar contra esse grande mal que acometeu e acomete a comunidade quilombola e, infelizmente, toda a nossa infância e juventude”, pontuou.
Para a elaboração da cartilha foram realizadas consultas a diversas pessoas ligadas à comunidade Kalunga acerca do cotidiano, rotina, costumes e vocabulário das crianças e adolescentes. Isso resultou na produção de um texto representativo e mais próximo da realidade vivenciada por todos eles.
Destacando a relevância da campanha, a coordenadora da Área da Infância, Juventude e Educação do MP-GO, promotora Cristiane Marques, ressaltou que o material potencializa de forma significativa o alcance do tema em meio às comunidades tradicionais, em especial, no território Kalunga.
“A cartilha foi criada com o objetivo de trabalhar a prevenção contra a violência sexual com crianças e adolescentes de comunidades quilombolas, em especial os kalungas. A ideia foi qualificar a informação a partir da identificação com o cotidiano, rotina, costumes e vocabulário desse público em relação ao qual não existia material específico. Além de constituir uma publicação inédita, a cartilha supre uma lacuna de conteúdo, potencializando o alcance da temática”, explica a promotora.
Cristiane também pontuou que a cartilha está alicerçada em dois pilares: a informação e a prevenção. “O objetivo da cartilha é informar para prevenir. Para que os resultados propostos sejam alcançados, tem-se incentivado o uso do material por famílias, escolas e outros órgãos de defesa de crianças e adolescentes que desejam dialogar sobre o tema de forma lúdica e adequada à realidade infantojuvenil”, disse.
Reconhecendo a importante contribuição da iniciativa do MPGO para as comunidades tradicionais, o presidente da Associação Quilombo Kalunga (AQK), Carlos Pereira, salientou que a cartilha tem orientado as famílias da região acerca deste grave problema, que é a exploração sexual contra crianças e adolescentes.
“A gente vive em um território em que se chega pouca informação e conhecimento, onde muitas vezes as famílias acabam sendo manipuladas. Apesar de ser uma região muito rica em natureza, é escassa em informação. Então eu vejo esse trabalho como algo extremamente importante para as nossas crianças, um suporte necessário para toda a nossa comunidade”, afirmou.
O líder quilombola reforçou, ainda, a necessidade do fortalecimento da campanha entre toda a comunidade escolar local. Segundo ele, uma causa que precisa ser abraçada por todos. “Sem dúvidas, essa cartilha merece ser trabalhada no dia a dia das escolas, com os professores, pais, famílias e com todas as crianças e adolescentes. As nossas escolas precisam abraçar essa causa”, frisou.
Reconhecimento
Além do reconhecimento nacional, ficando em primeiro lugar no 20ª Prêmio Nacional de Comunicação e Justiça 2022, a cartilha “Saliência Comigo Não!” também vem ganhando o amplo respaldo da sociedade e dos Poderes Públicos do estado. Recentemente, no último dia 18 de outubro, o material foi apresentado na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), durante evento realizado em referência ao Dia das Crianças.
Para o presidente da Casa, deputado Lissauer Vieira (PSD), a iniciativa reforça ainda mais todas as ações de combate à exploração de menores nas comunidades tradicionais. “Um projeto que merece o nosso total reconhecimento. Com certeza, esse material é mais uma importante ferramenta nesta luta, que é de todos nós. Proteger nossas crianças e adolescentes é mais que uma causa, mas uma urgente necessidade”, disse o parlamentar.
Comunidade Kalunga
Considerado o maior sítio histórico e cultural do País em extensão, o território Kalunga conta com mais de 230 mil hectares de Cerrado protegido, abrigando mais de oito mil pessoas em uma região que se estende pelos municípios de Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás.
A área ocupada pela comunidade Kalunga é reconhecida pelo Governo de Goiás, desde 1991, como sítio histórico que abriga o Patrimônio Cultural Kalunga (Lei Estadual Nº 11.409/1991). E em fevereiro de 2021, o local foi reconhecido pela ONU como o primeiro Território e Área Conservada por Comunidades Indígenas e Locais (Ticca) do Brasil.
Na língua banto, a palavra kalunga significa lugar sagrado, de proteção. Denominação mais que propícia a um povo que tem uma rica e imensurável parcela de contribuição na construção do nosso País. Atuar na defesa de todos eles, em especial, de suas futuras gerações, precisa ser um compromisso dos Poderes Públicos e o MP-GO, através de suas ferramentas extrajudiciais, vem cumprindo muito bem esse papel. Afinal, com a cartilha Saliência Comigo Não!, “entendemos o recado, está todo mundo esperto. Sabemos que, com criança, saliência não é nada certo”.
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