Não é fantasioso o número inaceitável divulgado pelo livro “Saga brasileira: A longa luta de um povo por sua moeda”: do começo da ditadura militar, em 1964, ao recomeço econômico do Brasil com o Plano Real, em julho de 1994, a inflação acumulada foi de um quatrilhão e trezentos e dois trilhões; isto é, sem simplificações de arredondamento, a seguinte sequência espantosa: 1.302.442.989.947.180.
Os dezesseis números saíram da calculadora responsável do professor Salomão Quadros, da Superintendência de Preços (Supre) do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). E a metodologia para o cálculo considerou a medição do IGP-DI, o Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna, da própria FGV.
É real a desmemória dos brasileiros. Não por negligência do povo com a sua história, mas porque o Brasil não para de produzir histórias, que nem sempre têm um desfecho feliz como a do Real.
Por exemplo, a história recente que envolve a Presidência da República e a jornalista Míriam Leitão, que, dentre projetos importantes, dedicou tempo a se debruçar sobre o passado de hiperinflação e escrever o “Saga Brasileira”– quase 500 páginas muito bem recebidas pela crítica (o livro venceu o Jabuti de Não Ficção) e pelo público (a obra tornou-se best-seller). Ficou claro o empenho da jornalista em devolver para o Brasil sua memória e o interesse do Brasil em redescobrir seu passado. Para que não se repita mais. Intenção esta que tornou ainda mais repudiáveis os ataques a Míriam na enciclopédia virtual Wikipédia, vindos – a imprensa revelou – de dentro do Palácio do Planalto, com difamações às análises econômicas da jornalista, talvez porque encarada erroneamente como “inimiga” do governo. Em tempos de democracia, uma compreensão tão antiga quanto o tempo que o País administrava a duras penas a ditatura militar e a ditadura de preços inflacionados.
Mas como nem tudo é história ruim, a boa história é que a segunda década de vida do Real é uma confirmação do sucesso desse plano que estabilizou o País e devolveu o sossego para os brasileiros que viviam diariamente o calvário de não saber o (des)valor do dinheiro que tinham.
Olhando de trás para frente, com os pés calcados na realidade econômica de hoje, a tarefa de domar o dragão da inflação, desempenhada pelo então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, parece ter sido menos trabalhosa e desafiadora. Não foi. Não depois do fracasso de tantos planos anteriores, como o Cruzado.
Para se ter ideia do espírito indômito da inflação, do anoitecer, na véspera do lançamento do Plano, ao alvorecer, na manhã seguinte, segundo o Procon, a alta de preços chegou a 68,29%.
O dia 1º de julho de 1994 é comemorado como o dia que FHC derrotou o dragão. Não é distorção da realidade. Não é puxa-saquismo. É reconhecimento do legado. É uma das heranças deixadas por Fernando Henrique para o povo brasileiro. É o real. É o Real.
Oscar Santos é pós-graduando em Direito Público
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