Por Pedro Lopes
“As pessoas sempre me disseram: você é tão guerreira, de onde tira tanta força?”, conta Elineuda Maia de Oliveira, 34 anos. “Não sei, só sei que estou aqui”, costuma responder.
Natural de São Miguel do Araguaia (GO), Elineuda enfrenta há mais de um mês uma guerra que lhe tirou o sono, a fome e o sossego. A razão: o sumiço de uma jovem de 15 anos, sua filha.
Camily Oliveira de Sousa tinha apenas 15 anos, ou ainda tem. A jovem está desaparecida desde o mês passado e ainda não há nenhum rastro seu. A mãe já não crê que sua filha esteja viva.
A jovem foi vista pela última vez no dia 4 de agosto com seu namorado após cometerem um assalto a uma farmácia em Novo Planalto, a 462 quilômetros de Goiânia.
Câmeras de segurança registraram o casal passar por uma rua momentos após o crime.
Matheus Rodrigues Santiago, de 21 anos, morreu após confronto com a Polícia Militar. O confronto foi por volta das 3h do dia 5 de agosto, na GO-154, sentido Bonópolis, numa região de chácaras.
O corpo do jovem foi recolhido como indigente e reconhecido por parentes dias depois. Já o paradeiro de Camily ainda é uma incógnita.
Sobre ela, a polícia não diz nada e as investigações até agora não revelaram onde ela está.
Sofrimento da mãe
Nada. Essa é a palavra que Elineuda repetiu inúmeras vezes durante a primeira entrevista concedida ao Folha Z por telefone que durou cerca de uma hora.
“Eu praticamente não durmo mais. Todo dia deito e levanto sem saber o que aconteceu com a minha filha. Não saber de nada, nada….entendeu? O que pode ter acontecido?”.
Elineuda tinha acabado de tomar um banho de água fria quando atendeu à reportagem.”Nossa, que calor, não?”, disse, em referência ao árido mês de agosto em Goiás.
Sua voz não denunciava dor. Parecia até tranquila e, às vezes, escapava um riso frouxo.
Com o desenrolar da entrevista, porém, sua voz terna e amigável começou a tremer. As pausas, cada vez maiores.
Elineuda pedia desculpa pelo choro intermitente. Dizia que o sentimento de dor que a toma é algo inexplicável.
A família
Apesar dos rumos tortos tomados pela filha, a mãe não sente culpa. Camily cresceu em São Miguel do Araguaia cercada por amigos e família. Sempre foi querida pela vizinhança.
Elineuda conta que suou muito para criar os filhos sozinha: foi funcionária de duas pousadas. Em outra, atuou como cozinheira. Também já trabalhou em um hospital privado. Com a renda, comprou a casa própria em São Miguel, onde criou seus filhos.
O pai de camily, Nemias Felipe, vive em uma chácara entre as cidades de São Miguel e São Planalto. Eles romperam o relacionamento quando Camily ainda era criança. Assim, desde cedo, Elineuda cria os filhos sozinha.
Atualmente, mora em Goiânia faz dois anos. Por aqui, trabalhou como cuidadora de idosos. Agora, está desempregada. Desde que soube do sumiço de sua filha, largou tudo e a sua única meta é encontrá-la, ainda que sem vida.
“Pra polícia ela não existe. Minha filha nem pra ser punida existe?
“Pra polícia ela não existe. Minha filha nem pra ser punida existe? Se ela foi cúmplice, por que não a procuram?”, questiona, em tom de completo desamparo.
“Uma menina inexperiente não conseguiria fugir de três viaturas com policiais treinados. É um espaço pequeno, todo mundo saberia dizer se a teria visto. Ouviram tiros. Simplesmente ela sumiu. Ninguém viu nada. Policiais dizem não saber de nada.”
A avó da jovem também está dilacerada. Diabética e em estado de alerta constante desde o ocorrido, Elineuda teme o que pode acontecer com sua mãe.
“Meu tio também está muito mal. Mas Camily também era o xodó da avó. Eu não sei o que vai acontecer com minha mãe”, relatou, preocupada.
De volta a Goiânia desde o desaparecimento da filha, Elineuda visitou a redação do Folha Z no dia 5 de setembro. Confira abaixo a entrevista.
O namoro
A mãe disse que a garota era uma pessoa amável, conhecida por todos da vizinhança.
Ela e o namorado, Matheus, se conheceram e “se apaixonaram” em 2016.
Elineuda soube do namoro no final daquele ano. Quem contou a ela foi seu filho mais novo, Davi, de 14 anos, “o mais sistemático da família”. Tão logo soube do relacionamento, desaprovou. Já sabia que o jovem tinha passagens pela polícia.
Decidiu reunir o casal para dizer que não aceitaria o namoro. A avó de Mateus, conhecida como Dona Mariquinha, também não apoiava o relacionamento, dizia que a garota era nova demais, não daria uma boa esposa.
Eles, então, terminaram o namoro ali, mas continuariam a se encontrar escondido.
“Ela falava que dava a vida pro namorado”
Com a mudança para Goiânia, o casal se encontrava periodicamente entre idas e vindas. Quando Elineuda soube que eles mantinham o relacionamento, foi forçada a tolerar, embora não aprovasse.
“Ela falava que dava a vida pro namorado”, lamenta a mãe.
Recentemente, o casal teve um filho, João, hoje com 10 meses de idade e agora sob os cuidados da avó, Elineuda.
Entre junho e julho deste ano, Matheus esteve em Goiânia junto a Camily. Nesse meio tempo, eles romperam o relacionamento.
O mês de julho, aliás, é quando Elineuda e sua família costumava acampar em Luiz Alves, distrito de São Miguel do Araguaia. A região ficou famosa depois que virou local de gravação da novela Araguaia, exibida pela Rede Globo entre 2010 e 2011.
Seguindo a tradição, mãe e filha acamparam juntas por cinco dias neste julho último em Luiz Alves. Em seguida, Camily voltou para São Miguel, onde continuaria as férias hospedada na casa de sua avó. Já Elineuda retornou para Goiânia.
Mesmo à distância, ambas se comunicavam por celular todos os dias. No sábado, 4, véspera do assalto, Elineuda não havia entrado em contato com sua filha.
Começaria ali a guerra na qual ela se envolveu.
Tentou, na quarta-feira, 8, localizá-la por meio do namorado. Nada. Conseguiu apenas falar com uma amiga de sua filha, a Laila.
A adolescente relatou que a última vez que a viu foi naquele sábado, 4. Camily saiu da casa da amiga dizendo que iria se encontrar com Mateus.
A informação de Laila foi corroborada pela avó de Mateus. Ela revelou que eles haviam reatado o namoro e que Camily passou três dias em sua casa com o neto. Contou ainda que, também naquele sábado, Mateus disse: “vou ali, vó, depois eu volto”.
E não voltou mais.
O crime
No dia 4 de agosto, o casal assaltou uma farmácia de Novo Planalto. De lá, levaram cerca de R$ 1,200 em dinheiro e um celular de linha, que poderia ser rastreado. O material seria recuperado depois.
Com a polícia acionada, foi dada a perseguição. Na operação, se envolveram três viaturas da Polícia Militar, uma delas do Grupo de Patrulhamento Tático, uma célula da Rotam.
Além disso, o irmão de um dos donos do estabelecimento é policial.
Logo após o assalto, a dupla fugiu para um complexo de chácaras, a 2 km de Novo Planalto, próximo ao lixão do município.
Ao serem localizados os suspeitos, as equipes policiais cercaram a região.
Horas após o início da perseguição, segundo a Polícia Militar, houve confronto, e Matheus foi alvejado e venho a óbito nas margens da GO-154, sentido Bonópolis, por volta das 3h.
Segundo os policiais militares, eles foram recebidos a tiros, daí a razão de terem atirado.
Ainda de acordo com a Polícia Militar, embora Camily fosse cúmplice, ela não estava com o namorado no momento em que ele foi baleado.
Moradores do entorno relataram terem ouvido os tiros. Segundo Elineuda, uma das moradoras da região disse que chegou a ver Camily e o namorado tentando fugir do cerco.
A testemunha teria visto ainda que, durante a fuga, a adolescente se queimou numa cerca elétrica.
“Estou com uma sensação de dor, de revolta. Uma mistura de sentimento que não sei explicar o que é”, desabafa Elineuda
De acordo com Elineuda, testemunhas disseram que, durante o encalço, ouviram a rajada de uma arma de calibre maior, e quatro disparos de um calibre menor.
A assessoria de imprensa da Polícia Civil de Goiás informou à reportagem que segue promovendo buscas por Camily, embora a ação ainda não apresente avanço algum.
Riscada do Mapa
Quatro dias após o ocorrido, uma quinta-feira, o pai de Camily levou Diego, o irmão mais novo, para tomar vacina num posto da cidade. Chegando lá, notaram, porém, que faltava documentação para realizar o procedimento.
“Ué, Diego, tá parecendo um indigente”, brincou a enfermeira, citando o caso de um rapaz ainda não identificado que fora baleado em confronto policial dias antes.
O pai, Nemias, ficou surpreso, não tinha ouvido falar do caso. A enfermeira, então, mostrou-lhe pelo celular imagens do rapaz e a matéria que havia saído na TV.
Ao ver as imagens, decerto reconheceu Matheus. Em seguida, avisou à Elineuda, que estava em Goiânia.
Tomada pelo susto e temendo o pior, abandonou o emprego e partiu para São Miguel no dia 13 de agosto a fim de buscar pela filha.
Chegando lá, perambulou por três dias atrás de informações. Não conseguiu nada. Foi à cidade de Novo Planato, onde os policiais também não lhe deram nenhuma informação.
“Os policiais dizem que um casal estava envolvido no crime, mas não mencionam o que aconteceu com a garota”, disse. Elineuda acionou então o Conselho Tutelar.
O delegado responsável pelo caso, André Luís Campos de Medeiros, avisou que só poderia encontrá-la para dar informação dali a uma semana.
Desesperada, a mãe resolveu gravar um vídeo numa quarta-feira, 15, e publicar nas redes sociais.
Após a repercussão e a comoção gerada pelas imagens de apelo, André disse que a receberia no dia seguinte, uma quinta-feira de manhã. “O delegado me atendeu muito bem, entendeu meu lado”, contou Elineuda.
“Todo dia corro atrás de uma pista, fico com o celular grudado na mão a espera de alguma ligação”
A primeira perícia criminal havia constatado apenas as trocas de tiros no local e não trabalhava com a hipótese de que Camily estivera ali no momento.
Mas, ao retornar ao local, o delegado notou marcas de sangue que não havia reparado antes. O material, então, foi recolhido e segue em análise pela polícia técnico-científica.
Se comprovado tratar-se de sangue humano, a mostra coletada pode ser comparada com o DNA de Camily.
Embora aja essa possibilidade, o delegado acha mais provável que o sangue seja de Matheus, que morreu no local.
“Todo dia corro atrás de uma pista, fico com o celular grudado na mão à espera de alguma ligação”, detalha a mãe.
Na última quinta-feira, 30, Elineuda esteve novamente em Novo Planalto atrás de mais pistas.
Lá, encontrou outro local onde havia vestígios de sangue e marcas de tiro em uma árvore, a cerca de 1 km do local em que os policiais alvejaram Matheus. O material foi encaminhado para perícia.
Daqui pra frente
“Estou com uma sensação de dor, de revolta. Uma mistura de sentimento que não sei explicar o que é.”
“Não entendo, não sei o porquê disso. É muito… não sei”, desabafa Elineuda, tentando, em vão, encontrar palavras que expressem o que sente.
Questionada sobre o estado do bebê, ela conta que João Miguel já sente falta da mãe.
“Vamos cuidar dele. Se a gente não conseguir… não sei o que vou falar para meu neto. Não sei o que fazer”, desata em choro.
“O que se passava na cabeça dela pra fazer isso? Não sei. Mas todo mundo tem direito à segunda chance. Eu preciso saber o que aconteceu com ela. Não tem como seguir com a vida sem saber o que aconteceu.”
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