ENTREVISTA – Segundo o promotor de Justiça Fernando Krebs, o Judiciário não se interessa em especializar seus juízes e órgãos no combate à corrupção
“Não há uma prefeitura, um Estado no Brasil sem contratos superfaturados de obras, de prestação de serviços”, disse em entrevista ao “El País” o promotor paulista especializado em investigar crimes financeiros e cartéis Marcelo Batlouni. Será que Goiás foge à regra do Brasil? Para discorrer sobre esse assunto, o Folha Z entrou em contato promotor de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e Combate à Corrupção Fernando Krebs. Mas antes, dois exemplos:
No Estado, o Ministério Público Federal (MPF-GO) determinou no início do ano o bloqueio de R$ 7,5 milhões destinados à construção de um trecho da ferrovia Norte-Sul entre Ouro Verde (GO) e Estrela D’oeste (SP). O juiz entendeu que a verba foi superfaturada pela Valec Engenharia, com materiais sobretaxados em 79% e serviços não realizados.
Em Goiânia, a promotoria protocolou no ano passado uma ação de improbidade administrativa contra a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) e as construtoras Norberto Odebrecht e Via Engenharia, responsáveis pela construção do novo terminal do Aeroporto Santa Genoveva. O superfaturamento das licitações pode ter causado prejuízo de R$ 122 milhões aos cofres públicos.
Entrevista
Fernando Krebs ingressou no Ministério Público goiano em fevereiro de 1992. Desde maio de 1994 é titular da 57ª Promotoria de Justiça de Goiânia, que tem atribuição na área de defesa do patrimônio público, combate à corrupção e à improbidade administrativa.
Folha Z: É possível afirmar com segurança que todos os governos estaduais e prefeituras têm alguma obra sobretaxada?
Fernando Krebs: Toda a generalização é injusta. Contudo, pode-se afirmar que a maior parte dos entes federados possui obras superfaturadas, pois esta se tornou uma prática comum em nosso país, inclusive, por culpa dos empresários e da livre iniciativa.
FZ: O superfaturamento é uma prática enraizada na cultura da política brasileira?
Krebs: Sim. E utilizada como instrumento de financiamento de campanhas políticas e consequente encarecimento das mesmas, além de fonte de locupletamento [enriquecimento] de empresários e políticos.
FZ: Algumas empresas aparecem com frequência denunciadas nos noticiários. São lícitas, mas atuam como organizações criminosas, autoras de corrupção, formação de cartel e crimes tributários, valendo-se de conchavos e intimidação para ganhar licitações. Pode-se dizer que esses grupos são como a máfia e, seus responsáveis, mafiosos?
Krebs: São organizações criminosas do tipo mafioso e que devem ser extintas, como se faz na Europa e EUA.
FZ: Goiás já conseguiu se recuperar do caso Cachoeira?
Krebs: Creio que nunca superará.
FZ: O que precisa ser reformado para conter a corrupção: a legislação ou o Judiciário?
Krebs: Os dois. A legislação é frouxa, porque, quando pune, o faz com brandura e o Judiciário não impõe limites aos governantes e ao poder econômico, restringe-se a solucionar conflitos entre credores e devedores, limitando-se a questões patrimoniais e individuais. O Judiciário é essencialmente conservador, quando não ideologicamente reacionário; ademais não tem por hábito ouvir a sociedade, sequer os advogados e membros do MP. Parece viver em um castelo, cercado por um fosso que o separa do mundo real. Enfim, não raras vezes é pior do que o Legislativo. Por fim, ao contrário do MP, não se especializou na defesa dos direitos difusos e coletivos, na repressão às lesões de massa, próprias às sociedades contemporâneas, e não se interessa em especializar seus juízes e órgãos no combate à corrupção, até porque sofre com esta mazela em seu meio, conforme tem reiteradamente provado o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
FZ: A reforma eleitoral prometida pelo Palácio do Planalto contribuiria para uma mudança nesse cenário?
Krebs: Muito pouco! A aprovação das propostas do MPF é que representaria avanço.
FZ: O desfecho do Mensalão e o desenrolar da Operação Lava Jato indicam uma diminuição da impunidade no Brasil?
Krebs: Com certeza! É um marco no combate à corrupção no Brasil.
FZ: Hoje, a sua análise é de que há mais ou menos corrupção em licitações e superfaturamento do que na década de 90, por exemplo?
Krebs: A corrupção aumentou mais do que a sua visibilidade. Ela é muito maior do que na época da ditadura.
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