Carta do leitor | pelo jornalista Rodrigo Czepak
Quem disse que a história é escrita apenas por protagonistas. Há coadjuvantes que fazem a diferença.
Um dos exemplos atende pelo nome de Mauro Miranda Soares, 77 anos, mineiro discreto e ao mesmo tempo inquieto na obstinação.
A trajetória do engenheiro responsável pela pavimentação de 8 mil quilômetros de estradas em Goiás e do parlamentar aplaudido pela inclusão da moradia como direito constitucional dos brasileiros foi construída à sombra das duas maiores lideranças do MDB nas últimas três décadas: Iris Rezende e Maguito Vilela.
“O patinho só é feio quando não sabe o seu lugar”, revela com sorriso largo, uma de suas principais características.
Timidez
Mauro não nega que o estilo brincalhão serviu como muleta para esconder a timidez.
Sim, o ex-presidente do Dergo (1983-1986), ex-deputado federal por dois mandatos (1987-1994), ex-senador da República (1995-2002) e ex-candidato a prefeito de Goiânia (2000) sempre teve dificuldade com a oratória em tribunas e palanques.
Recorreu, em vão, a especialistas para disciplinar pausa e interpretação das palavras.
“Foi dialogando com o espelho que compreendi a necessidade de me superar em outros fundamentos da vida pública”, admite.
Talvez isso explique a articulação de poucos meses do então senador para a aprovação do Estatuto da Cidade (2001), projeto engavetado no Congresso Nacional havia 12 anos.
Paixão por jabuticabas
Natural de Uberaba (MG), o filho de José Severino Neto e Diva Miranda Soares sempre cativa os mais próximos pela forma espontânea como se relaciona.
Seja em Brasília, onde obteve destaque na elaboração de propostas para a Assembleia Nacional Constituinte (1988), ou em Goiânia comandando o maior programa de pavimentação urbana do país (137 bairros, na segunda gestão do prefeito Iris Rezende entre 2005 e 2008), Mauro Miranda jamais deixou de praticar seu “esporte” preferido: escalar pés de jabuticaba para abusar da fruta fresquinha.
A prioridade sempre foi o deslocamento até a tradicional fazenda Jabuticabal em Hidrolândia, mas várias vezes o ex-senador promoveu reuniões com funcionários do então Dermu/Compav e empresários do segmento de engenharia chupando a fruta sem sair da Vila Santa Helena.
“Todos os problemas eram resolvidos com muita sombra e zero de estresse”, recorda o amigo Denes Pereira, ex-assessor particular e hoje presidente da Comurg.
Sinceridade
Não há outra forma de desvendar o ser humano Mauro Miranda sem conhecer o tamanho da sua sinceridade. “A garupa do Iris foi o local mais confortável em que já estive”, sobre as duas vagas ao Senado conquistadas pelo MDB em 1994.
“Você até imagina que pode ganhar, mas depois se esforça para perder dignamente”, referência ao quarto lugar na sucessão municipal de 2000.
“Eu ensaiava direitinho até chegar no plenário e dar de cara com Sarney, ACM e tantos outros senadores. As pernas tremiam”, a respeito da dificuldade em discursar.
“No Mauro Miranda é o Iris quem manda”, frase emblemática que define uma relação fraterna de quase 50 anos. Para quem enxerga submissão, Mauro responde: “Meu respeito e gratidão ao Iris são imensuráveis. Sempre seguirei os seus conselhos”.
“Escorpião no bolso”
Conselho, aliás, é outra especialidade de Mauro Miranda que os novatos não se cansam de desfrutar.
Dirigindo-se à jornalista Rachel Azeredo, candidata a uma vaga na Assembleia Legislativa em 2002, afirmou de imediato: “A primeira medida para se dar bem numa eleição é rasgar o talão de cheque”.
A recomendação, diga-se de passagem bem sucedida, apenas confirmava a necessária prudência nos gastos de campanha e a fama em possuir “escorpião no bolso”.
Só mesmo as festivas paradas no Restaurante Jerivá, às margens da BR-060, eram capazes de trazer maior liberdade à carteira do então senador.
“Por pouco a resenha não se transformava em comício”, diverte-se com as lembranças.
Reconhecido como um dos políticos mais cultos de Goiás – leitor voraz do filósofo francês Michel de Montaigne e apaixonado por cinema e artes plásticas – Mauro já parou os corredores do Senado ao convidar celebridades como o músico Carlinhos Brown e o boxeador Acelino Popó Freitas para debates latentes naquela Casa de Leis.
Dos colegas ouvia que o estardalhaço midiático não lhe traria dividendos eleitorais. “Fazer o quê? Se fosse obcecado pelo protagonismo não teria chegado tão longe”, retrucava.
Qualidade de vida
Como chegou longe na vida pública, Mauro ousou sonhar com uma cadeira no Executivo. Algo inimaginável para um ex-professor do tradicional Colégio Rudá, em Goiânia.
Igualaria, desta forma, o feito do irmão Marcelo Miranda Soares, ex-prefeito de Campo Grande e ex-governador do Mato Grosso do Sul. Circunstâncias políticas trataram de eliminar o desejo.
“Acredito que o Estado de Goiás, ou mesmo a capital, experimentaria um significativo avanço nas mãos de um homem tão sensível e qualificado como Mauro Miranda”, afirma o assessor parlamentar Rômulo Barbosa, braço direito do mineiro por décadas em Brasília.
E agindo como jogador de futebol experiente que sabe programar o momento da aposentadoria, Mauro Miranda resistiu aos apelos de Iris Rezende para voltar à Prefeitura de Goiânia neste quarto mandato.
Preferiu permanecer nos bastidores, como colaborador e conselheiro, mantendo intacto o convívio familiar (principalmente com a discreta esposa Regina), o controle das atividades agropecuárias e o tempo para chupar jabuticaba sem afogadilho.
Política? Apenas nos grandes eventos ou em postos de coordenação de campanhas eleitorais do MDB. Afinal, hoje, no Mauro Miranda é a qualidade de vida quem manda.
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