Não. Não me olhe pobre menino. O seu olhar penetra minha alma e me machuca. Desvie esse olhar triste, você já me agradeceu pelo banco de ônibus que eu cedi para você. É que você me pareceu tão cansado e creio que eu estava certa.
Você chegou ao ponto do ônibus ao final do dia com sua caixa de engraxate que era sua ferramenta para ganhar o pão, pagar o ônibus, as drogas. Não, não te culpo, pobre menino, por essa ser a saída que você encontrou para fugir dessa vida medíocre, miserável que você tem. Não te culpo por você e milhares de crianças encontrarem nas drogas o meio para saciar a fome.
Deve ser difícil, imagino! Nada comparado a essa cara de nojo que as pessoas fazem ao te ver, esse receio, esse medo que elas têm de você. Eu também o tenho, confesso, mas nesse momento sinto mais piedade que medo.
Não, não me olhe pobre menino porque eu estou tentando não te olhar. Mas não é porque quero te ignorar é porque meu coração apertou, doeu. Nesse momento me senti como uma daquelas que te fazem vítimas do sistema.
Meio desconfiado você me olhou. Meio sem graça, sorri. Para você saber que eu te enxergo, para você saber que você existe e é alguém, assim como eu, como o rapaz da frente, com estilos de vidas diferente.
Talvez por isso, você puxou conversa, mas não tive medo. Você só parecia agradecido por uma gentileza. E com o sinal de positivo me agradeceu pela terceira vez.
Estou tentando não te olhar, porque isso está me machucando. Mas doeu mais quando você me desejou bom estudo. Pobre menino, não teve a mesma oportunidade. Destino cruel o seu.
Você vai para casa, vai descansar, tentar dormir, se é que vai conseguir. Eu não sei como é sua casa, mas se eu estiver certa, você mal tem o que comer. Deve ter um ambiente de casa conturbado. Mas amanhã é outro dia, você acorda cedo e vai trabalhar.
Mas eu também fui penetrada pelo seu triste olhar e agora, fico compadecida pensando: Pobre menino pobre!
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