Por Marco Faleiro e Thiago Araújo
O relógio marcava 9h16 quando Arlete Dias chegou pela primeira vez ao município goiano de Padre Bernardo. O ano era 1998, precisamente 27 de setembro. Naquele domingo, com 32 anos, a partir de um conceito baseado em coletividade e cooperação, ela, a família e outros tantos agricultores tiveram suas histórias de vida transformadas para sempre.
Com as mãos firmes para o trabalho no campo e beneficiária do programa nacional de reforma agrária e de acesso à terra, Arlete Dias vive desde então no assentamento Vereda I, em Padre Bernardo. E foi por meio do trabalho no campo, nos últimos 25 anos, que ela e o esposo criaram os três filhos. A história do casal é parecida com a de outras famílias que vivem nos nove assentamentos da região.
No início, com organização e cooperação, as famílias criaram associações para construir moradias e ter acesso a serviços públicos. “Conquistamos tudo de forma coletiva: estradas, poços artesianos, energia elétrica e escola”, lembra. Hoje, depois da experiência inicial, as comunidades de Padre Bernardo criaram uma cooperativa para comercializar o que é produzido na região.
“Quem nos viu no passado, jamais pensou que chegaríamos longe”, diz a agricultora, ao apresentar à reportagem do Folha Z registros fotográficos dos primeiros momentos em Padre Bernardo. “Antes, a produção era comercializada de forma individual. Agora, estamos com a cooperativa e, mais do que nunca, tudo é pensado e decidido de forma coletiva. A economia colaborativa e a proteção social fazem parte, hoje, do nosso trabalho diário aqui no assentamento”, completa.
O conceito de colaboração citado por Arlete Dias se aplica à prática, tanto que o estatuto da cooperativa que ela ajudou a criar é amplo e contempla agricultores para além dos assentamentos. “Produtores de Brazlândia, por exemplo, também fazem parte da nossa cooperativa. Com esse novo modelo de negócios, estamos ampliando a produção e já entramos para a Rota da Fruticultura, que é um projeto que incentiva a cadeia produtiva de frutas em 33 cidades goianas e no Distrito Federal. Também vamos comercializar, em breve, nossos produtos para os programas de alimentação escolar do Governo Federal”, explica Arlete Dias.
A cooperativa, que completa um ano em agosto de 2023, conta com o apoio técnico do Sistema OCB/GO (Sindicato e Organização das Cooperativas Brasileiras no Estado de Goiás e SESCOOP/GO – Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Estado de Goiás). “O primeiro ano da nossa cooperativa está sendo de capacitação. Temos a consultoria do Sistema OCB, compartilhamos experiências e participamos de muitas formações. Agora já estamos colhendo os frutos desse trabalho”, acrescenta.
Exemplos que inspiram
Do campo à cidade, exemplos de como o cooperativismo pode transformar histórias de vida e contribuir para o desenvolvimento das comunidades se multiplicam. Foi em Goiânia, por exemplo, que surgiu a Cooperativa dos Condutores de Motocicletas do Estado de Goiás (Coopmego), que ajuda a melhorar a realidade econômica de 523 associados e suas famílias.
A cooperativa, para exemplificar as vantagens desse modelo de negócio, administra um tanque de armazenamento de combustíveis que garante economia de cerca de 50 centavos no litro de combustível abastecido pelos cooperados motociclistas.
No dia 14 de março de 2007, um amigo convidou José Alberto dos Santos, que trabalhava até então como corretor de imóveis e vivenciava a oscilação do mercado imobiliário, para fazer parte da Coopmego. Disposto a mudar de vida e com experiência anterior como office boy, ele decidiu, na tarde daquela quarta-feira, se associar à cooperativa. De lá pra cá, já foram 16 anos e três meses de atuação, que relembra com orgulho.
O modelo de negócios, como José Alberto explica, é simples: a cooperativa fecha contratos com empresas do ramo de alimentação e medicamentos que optam por terceirizar o serviço de entrega de produtos, que é feito pelos cooperados. “Hoje, temos 290 contratos ativos. Depois de conquistar o mercado de Goiânia, chegamos em Anápolis e estamos expandindo a nossa atuação”, comemora.
Dois anos antes de se associar à Coopmego, José Alberto se viu obrigado a colocar o pé no freio por falta de oportunidade e apoio financeiro, e adiar um de seus sonhos: formar-se em Direito. Anos depois, com a estabilidade que conquistou na cooperativa, conseguiu voltar a estudar. “Estou no 8º período do curso e, muito em breve, vou aplicar meu conhecimento jurídico na cooperativa, que é o lugar que me ajudou a mudar de vida”, pontua.
Quem também afirma que teve trajetória transformada pelo cooperativismo é José Renato De Freitas Almeida. No dia 16 de dezembro de 2016, se aposentou oficialmente do trabalho no mercado financeiro. Querendo ressignificar o tempo que tinha pela frente e com algum conhecimento em apicultura, foi convidado, novamente por um amigo, para conhecer a Cooperativa dos Apicultores e Agricultores Familiares do Norte Goiano (Coopermel), que tem sede em Porangatu. No mês seguinte, já estava associado.
“Recebi orientações e adquiri, com o auxílio da cooperativa, equipamentos mais em conta, uma vez que a Coopermel realiza compra coletiva de insumos. Neste momento, entendi que a união, de fato, faz a força. Basta somar: um mais um, mais um. De repente, temos um grupo forte com os mesmos ideais”, reforça o produtor.
Seis anos depois, ele é o atual presidente da Coopermel, que conta com 140 cooperados e está presente em 13 municípios. “O cooperativismo foi um recomeço pra mim. Ajudei na gestão e apliquei o que aprendi em 60 anos de vida aqui. Agora, tenho a honra de fazer parte de um grupo que, com apoio do Sistema OCB/GO, produz mel e outros produtos que complementam o cardápio da merenda em diversas escolas de Goiás”, conta José Renato.
Transformador, cooperativismo promove justiça social
Mais do que transformar a vida de pessoas e de comunidades inteiras, o cooperativismo é importante para a economia nacional e para o fortalecimento do Produto Interno Bruto (PIB) dos estados. É o que informa o presidente do Sistema OCB/GO, Luís Alberto Pereira.
Em Goiás, segundo o Anuário do Cooperativismo Brasileiro, 10% do PIB do estado tem como origem as cooperativas. Atualmente, são quase 300 cooperativas com registro na OCB/GO, que reúnem cerca de 450 mil associados. Somente no segmento agropecuário, são 84.
“A nossa meta é continuar crescendo. Trabalhamos, juntos, para sermos cada vez mais relevantes na economia e na vida das pessoas. Com formação e investimento na profissionalização da gestão e governança das cooperativas, contribuímos para o desenvolvimento social e econômico uniforme nos quatro cantos de Goiás”, pontua o presidente Luís Alberto Pereira.
Neste ritmo e com expectativa de chegar em 2027 com R$ 50 bilhões de faturamento em Goiás, o cooperativismo pode ajudar a reescrever histórias de pessoas como Arlete Dias, José Alberto e José Renato, que fazem questão de contar — com precisão de dia, mês, ano, horário e detalhes — como conheceram o modelo de colaboração e economia solidária.
“O cooperativismo é democrático e nos ajuda a pensar em soluções. De forma geral, a cooperação é a alternativa e o caminho que temos para enfrentar, seja aqui no campo ou na cidade, os desafios que temos pela frente”, ensina Arlete.
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