Durante a maior crise do capitalismo nos Estados Unidos, a quebra da Bolsa em 1929, Charles Darrow era mais um entre os milhões de cidadãos americanos desempregados. Nos intervalos dos bicos que fazia para sobreviver, criou o jogo “Monopólio”, que mais tarde se transformaria em um fenômeno mundial.
Pouco depois da Segunda Guerra, o cacau havia sumido dos campos italianos devastados pelo conflito. Foi aí que um confeiteiro da região do Piemonte teve a ideia de criar a Nutella, creme feito de avelã, açúcar e uma pitada de cacau. Pietro Ferrero, o tal confeiteiro, deu assim origem ao hoje gigantesco Grupo Ferrero.
Os dois casos demonstram como a crise pode ser indutora de oportunidades. Se o empreendedor tiver talento, ousadia e, acima de tudo, boas ideias, não há razão para oscilações negativas na economia o impedirem de seguir adiante. Por mais que tenha sido um massacre, o declínio brasileiro dos últimos dois anos abriu fronteiras de negócios para diversos empresários, que engordaram o faturamento, aumentaram o quadro de funcionários e até expandiram seus projetos.
Alta de 300%
O mercado de self storage, como são chamados os locais para armazenamento de pertences (o aluguel de boxes), está entre os negócios que prosperaram na crise. Segundo estudo da imobiliária Engebanc, desde em 2012 o número de unidades disponíveis para locação cresceu 300%. A atividade chegou ao País em 1993, mas teve um crescimento lento.
Agora, de acordo com Flávio Del Soldato, presidente da Associação Brasileira de Self Storage (Asbrass), o avanço vertiginoso também é resultado, entre outros motivos, da crise econômica. “Com empresas fechando e precisando de local para guardar os ativos, alugar um self storage é uma solução mais barata e prática”, diz Soldato.
A advogada Priscila Possani, de 28 anos, encontrou no self storage a solução que precisava para guardar todos os móveis enquanto a reforma do apartamento novo não fica pronta. “Nós tivemos de entregar o antigo apartamento e nos mudamos para um lugar menor enquanto o outro está em obra”, afirma Priscila. Já faz seis meses que o box, pelo qual paga R$ 470 mensais, virou uma extensão da sua casa.
Na contramão da crise
Outro mercado que caminha na contramão da crise é o das empresas iniciantes da área de tecnologia, as chamadas startups. Em 2016, elas avançaram 30%, totalizando mais de 4.200 companhias desse tipo, segundo a Associação Brasileira de Startups (ABStartups).
Criado em 2011, o GetNinjas, aplicativo que conecta prestadores de serviços gerais a clientes, tem números expressivos para festejar. De acordo com Eduardo L’Hotellier, um dos fundadores do app, o faturamento da empresa cresceu 200% em 2016 ante 2015. Em janeiro de 2016, o empresário contabilizava 60 funcionários. Hoje em dia, são 200.
O motivo da bonança? A crise. Para economizar, explica L´Hotellier, as pessoas pesquisam mais os valores cobrados por profissionais de diferentes serviços. “A indicação do vizinho às vezes é muito cara e no GetNinjas é possível comparar diversos prestadores de serviços e escolher o que melhor se enquadra. As pessoas descobriram o aplicativo como solução”, afirma. Outra explicação para o avanço é o fato de, em momentos de dificuldades financeiras, as pessoas evitarem comprar novos equipamentos, preferindo consertar os que já têm em casa. “A necessidade de comparar os preços e a mudança de hábitos de consumo fizeram o GetNinjas crescer muito”, diz o empresário.
A história do capitalismo está repleta de casos de empresas que surgiram, cresceram e se consolidaram graças a um período dramático de crise
Startup que conecta profissionais de beleza a clientes em São Paulo e no Rio de Janeiro, a Singu foi ainda mais ousada. A empresa abriu as portas no ano passado e já acelera. “O nosso modelo de negócio escala com a crise”, diz Tallis Gomes, fundador da Singu. Segundo ele, o app é uma alternativa de renda para profissionais de beleza que perderam o emprego porque o salão fechou, para a dona de casa que fez um curso e decidiu se especializar para ajudar nas contas domésticas e até para o cabeleireiro que precisa aumentar o salário e consegue unir os serviços da Singu com os do salão.
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Uma manicure da Singu consegue ganhar cerca de R$ 4 mil por mês e ela vai até a casa da cliente para prestar o serviço. “Esse ano, pretendemos expandir para mais duas ou três capitais. Crescimento em ritmo forte”, diz o fundador. Para Marcelo Nakagawa, professor de empreendedorismo do Insper, a economia compartilhada e colaborativa, como é o caso das startups, é a que mais consegue ter bons resultados em tempos de crise. “Isso acontece quando determinado serviço gera renda para outras pessoas e incentiva profissionais a ganhar dinheiro com suas habilidades”.
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Fonte: Istoé | Texto: Ludmilla Amaral
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