Por Marco Faleiro e Thiago Araújo
O relógio marca 14h36. Em um edifício antigo localizado na Avenida Tocantins, no Centro de Goiânia, o professor Kleiber Pinheiro Sales se prepara para limpar componentes do primeiro robô que montou e adquiriu a partir da assinatura de uma revista. “A publicação era da editora Planeta DeAgostini, e foi por meio dela que surgiu meu interesse pela robótica”, conta o professor, que é biólogo por formação.
Enquanto limpa com precisão e delicadeza um dos componentes e verifica o funcionamento das luzes de LED do robô de mais de oito anos, Kleiber relembra seus quase 30 anos como professor. Pioneiro do ensino de robótica para estudantes da rede pública e prestes a se aposentar das salas de aulas, ele conta como o uso da tecnologia, os projetos inovadores e as parcerias entre as instituições podem transformar a vida dos estudantes.
“Meus alunos, por exemplo, jamais imaginaram aprender sobre inteligência artificial em sala de aula, mas um dia, percebendo que eles ficavam muito ao celular, decidi que poderia usar aquilo a favor da educação. Foi aí que tudo começou”, diz o professor. O ano era 2013 e pouco se falava sobre lecionar robótica na rede pública de ensino.
Entusiasta da tecnologia, assinante da revista “Construa e Programe seu Robot” e disposto a criar novas possibilidades aos estudantes, o professor Kleiber procurou a direção da unidade da Escola Municipal Alice Coutinho, situada na Vila Morais, e informou que, mesmo sem investimentos, iniciaria um projeto de robótica educacional.
Algo que parecia idealista e, até então, um pouco ousado, se tornou, com o passar do tempo e com a ajuda de uma rede de apoio formada por instituições como o Sesi Goiás, Câmara Municipal e Prefeitura de Goiânia, uma política pública da Secretaria Municipal de Educação (SME) da capital que beneficia estudantes de todas as regiões da cidade.
“Começamos com poucos equipamentos e um arduíno, que é uma plataforma que permite, em uma linguagem simples, projetar robôs. Hoje, o projeto chegou a cerca de 10 escolas e garante formação para outros professores entusiastas da cultura maker e de robótica, além de incentivar o uso de tecnologia em mais de 160 unidades de ensino”, pontua Kleiber.
Resultado do projeto sonhado por professor e aluno
Para chegar ao patamar em que está hoje foi um longo caminho. A primeira conquista do projeto iniciado pelo professor Kleiber veio com o estudante Gabriel Jeová, então com 13 anos, que participou da Olimpíada Brasileira de Robótica em 2019 e venceu na categoria maker. Foram seis anos entre o início do projeto e o primeiro prêmio nacional. Nesse tempo, o educador se especializou, chamou a atenção de outros professores e compartilhou série de conhecimentos com os estudantes.
O prêmio abriu portas. Na época, Gabriel Jeová foi escolhido para participar do projeto Eleitor do Futuro, do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO). Tão logo o aluno foi empossado como jovem parlamentar, o professor teve uma ideia que mudaria definitivamente o rumo do projeto realizado na Escola Municipal Alice Coutinho. Ele incentivou o então vereador mirim Gabriel Jeová a propor, à Câmara Municipal, o Programa Cultura Maker para toda a rede pública. Era o que faltava para mobilizar parlamentares, instituições e a rede municipal de ensino.
“Disse ao Gabriel: você acabou de vencer a Olimpíada Brasileira de Robótica, está empolgado. O que acha de elaborar um projeto para propor que todos os estudantes tenham essa mesma oportunidade?”, perguntou Kleiber. De imediato, Gabriel, que hoje é estudante do curso de edificações do Instituto Federal de Goiás (IFG), aceitou. “Não pensei duas vezes”, lembra o aluno.
O projeto de lei foi apresentado e, em seguida, recebeu o apoio que tornaria possível a materialização do sonho de professor e aluno. O Serviço Social da Indústria (Sesi), que conta com 13 instituições de ensino em Goiás, e é uma instituição de direito privado com política de robótica consolidada, disponibilizou formação, kits tecnológicos e consultoria para a instalação do primeiro laboratório maker da rede pública de Goiânia na escola em que o professor Kleiber e o estudante Gabriel Jeová haviam idealizado, juntos, a política de robótica educacional.
Diretor da Escola Sesi Planalto, o professor Rogério Viana fala sobre a importância de apoiar iniciativas que levam a robótica para além dos muros da instituição. “O Sesi tem a missão de compartilhar conteúdo, também, com escolas públicas. O Sesi Planalto, por exemplo, já apadrinhou quatro unidades de ensino com esse projeto de robótica”, afirma o gestor. “Nosso propósito é investir na indústria do conhecimento, estimular o empreendedorismo e a solidariedade no setor produtivo e qualificar os futuros trabalhadores”, pontua.
Na prática, além do apoio financeiro, o Sesi Goiás incentiva a troca de conhecimento de “estudante para estudante”. São os próprios alunos da instituição que ajudam na formação dos estudantes das escolas públicas. Com acesso a aulas de robótica desde o terceiro ano do ensino fundamental no Sesi Planalto, Victor Emanuel foi um dos alunos que participaram do projeto. “Tive a oportunidade de compartilhar conceitos de engenharia que deveriam ser aplicados em nossos robôs e quais fontes de pesquisa eram melhores para auxiliar no desenvolvimento dos projetos de inovação”, relembra.
Atualmente estudante do curso de Inteligência Artificial da Universidade Federal de Goiás (UFG), o egresso do Sesi Planalto lembra com orgulho desse período. “É gratificante ter contato com estudantes de uma realidade diferente e ajudá-los com capacitações e trocas de experiências, pois eles também tinham muito a compartilhar conosco”, acrescenta.
Sonho realizado, estudantes capacitados e o Brasil mais competitivo
O primeiro laboratório maker da rede pública de Goiânia foi inaugurado no dia 28 de outubro de 2021. Naquela quinta-feira, o professor Kleiber e o pequeno Gabriel Jeová ocuparam a primeira fileira do evento realizado na quadra poliesportiva da Escola Municipal Alice Coutinho, e se emocionaram ao ver a sala equipada com kits de robótica, painel de ferramentas, notebook e tablets.
Alunos do Sesi também marcaram presença, já que todos faziam parte da realização daquele sonho. Então secretário municipal de Educação da capital na época, o vereador Wellington Bessa ressalta a importância da parceria entre a gestão municipal e o Sesi Goiás: “Sonharam e caminharam conosco. Formalizamos um convênio e a equipe do Sesi foi decisiva para implantar, de uma vez por todas, a cultura maker nas escolas de Goiânia”, diz.
A parceria, segundo o diretor de Educação e Tecnologia do Sesi Senai, Claudemir Bonatto, “é resultado de um projeto maior, que prioriza o ensino da ciência, engenharia e tecnologia, artes e matemática como fio condutor do processo de formação de crianças, jovens e adultos”. “E tudo isso é compartilhado com o sistema público. Dessa forma, estamos preparando os estudantes, seja do Sesi ou de escolas públicas, para o futuro. Esse projeto complementa a formação de empreendedorismo e letramento computacional e o desenvolvimento de habilidades para que esses estudantes possam se tornar, logo ali na frente, líderes em suas comunidades e na nova indústria, tornando o Brasil mais competitivo”, enfatiza.
Para Bonatto, “essa parceria é só mais um dos tantos projetos de impacto social desenvolvido pelo Sesi Goiás, instituição que integra o sistema da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg), para fortalecer a indústria e o desenvolvimento do Estado e do país”.
“Ao longo de 70 anos, o Sesi Goiás desenvolveu uma série de projetos de responsabilidade social, como o Atleta do Futuro e o apoio que direcionamos às escolas dos municípios goianos. Todos esses programas funcionam como um farol para elevar o nível da educação básica brasileira. Além disso, iniciamos um projeto que leva para o setor público o mesmo modelo de gestão educacional de resultados das escolas do Sesi”, explica.
E são projetos e parcerias como as proporcionadas pelo Sesi que fortalecem a educação, conforme ressalta o professor Kleiber. Para ele, essas histórias “merecem ser reconhecidas e contadas”. Na sala de seu apartamento em que vive com a esposa e uma filha, vestido com uma camiseta das tantas competições de robótica em que participou com o apoio do Sesi, revira suas lembranças, seus guardados e suas revistas, limpa os robôs e aponta para os prêmios e certificados que recebeu enquanto profissional.
“Estou pronto, após quase 30 anos, para me aposentar. Plantei uma semente e contei com a ajuda de uma rede de apoio para transformar a vida de tantos estudantes”, diz. Perguntado sobre o tempo em que falta para se aposentar, o professor pondera: “Faltam dois anos. Na verdade, não estou pronto para me aposentar, mas para dar continuidade a esse projeto. Quem acredita na educação não a deixa nunca”, ensina.
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