Após uma avalanche de opiniões dividas e milhões de compartilhamentos sobre o assunto, me atrevi a fazer uma análise funcional do ponto de vista do comportamento de consumo, sobre o fato em questão.
A Friboi ao desenhar sua estratégia de comunicação fez uso de um recurso antigo, iniciado lá pelos anos 40: o uso de celebridades para endossar produtos e marcas. Uma celebridade é definida como uma pessoa altamente reconhecida pela sociedade, com fama, presença ativa e visibilidade na mídia. Sendo que duas características da fonte são de primordial importância: a credibilidade e a atratividade. Celebridades a frente de produtos, devem dar a este relevância e conceituação.
Envolve um processo comportamental denominado como “Emparelhamento de Estímulos”, ou seja , a apresentação de um estímulo após o outro, onde o estimulo discriminativo (celebridade) após uma sequência de emparelhamentos, acaba transferindo para o estímulo incondicionado (produto ou marc ) uma série de atributos. Todo mundo já ouviu falar disso, talvez não se lembrem, mas o principio foi descoberto por Pavlov, em seu famoso experimento com o cão que aprendeu a salivar na presença de um sino. Aí alguém dirá: que loucura, não sou um cão. Eu sinto dizer que biologicamente, em alguns aspectos, somos muito parecidos sim. E salivaremos diante de uma bela picanha.
Um recurso que produz um efeito sobre o comportamento respondente, S – R: reflexos inatos e reflexos aprendidos, (carne + Friboi) e sobre o comportamento operante (celebridade + Friboi) que é mantido por consequências, S – R- C , em duas formas a saber: Reforçadoras, que aumentarão a probabilidade de um comportamento se repetir, ou Aversivas, que diminuirão.
Em suma significa: comprei foi agradável, tem uma boa chance de eu voltar a comprar. Comprei, não foi legal, é provável que eu não compre mais!
Lembrando que o condicionamento ocorre pela repetição, ou seja, quanto mais falarmos sobre o assunto, mas reforçamos o nosso comportamento de lembrar.
Este processo não se restringe apenas a produtos alimentícios, como por exemplo: Em O shopping do coração de Goiás ou uma certa “presidenta” (sic) da república que até poucos anos era uma ilustre desconhecida da maioria dos brasileiros e teve sua imagem fortalecida por um certo presidente popular, o princípio também está presente. Bem ao estilo do dito popular: diga-me com quem andas e eu te direi quem é. É, sua avó sabia das coisas!
O ataque ferrenho que a campanha vem sofrendo aponta alguns pontos bem interessantes:
Ele traiu a causa vegetariana! Mas nós mudamos o tempo todo, é um comportamento tão comumente humano. Trocamos a cor de cabelo, de amigos, de profissão. Por que não de opção alimentar?
Ele é um fingido, nem comeu a carne! Quantas campanhas publicitárias com celebridades já assistimos, em que a estrela em questão não prova o produto. Campanhas com cervejas, shampoos, hidratante e por aí vai… Ou alguém acredita mesmo que a Xuxa usa Monange?
A campanha foi mal feita! Será que foi mesmo? Alguns disseram: a única coisa boa lá foi o garçom! Ele é mesmo uma figura bem simpática. Mas afinal qual era a função do Roberto na campanha mesmo, enquanto estímulo discriminativo? Não era colocar o telespectador sob controle de alguns aspectos da peça publicitária como: Carne é Friboi? Ou seja, precisava cumprir uma função (condicionamento operante), que segundo Solomon (2002) é diminuir o tempo de procura. Depois que toda essa polêmica passar – porque vai passar, e não vai demorar muito – o que restará é: CARNE É FRIBOI. Então, devem ter feito direito.
Ah! Tem a questão da estética. É, poderia ser melhor! Sim, poderia, mas o que vale mais: uma peça ganhadora de prêmios que não promove o giro do estoque ou uma peça mediana que cumpre o seu papel? Pergunte a um empresário que ele responderá prontamente.
O Roberto arranhou sua imagem! Doss (1999) realizou um experimento com celebridades e marcas e verificou que marcas negativas associadas com celebridades positivas não afetaram a avaliação da atratividade da celebridade, o que também não é o caso aqui, pois o Tony Ramos já havia nos ensinado que carne de qualidade tem nome.
E outra, para um público específico, Roberto Carlos, é um poderosíssimo Sd. Um Sd (estímulo discriminativo) é um estímulo que adquiriu uma função, sinalizando como devemos nos comportar em sua presença.
Em exemplos reais, Michael Jackson, mesmo com todo o escândalo envolvendo pedofilia, não prejudicou o resultado de vendas de uma famosa marca de refrigerantes. Muito pelo contrário, relatórios publicados apontam crescimento de 8% no período. Ergadon (1999) ressalta ainda que os efeitos da utilização de uma celebridade pode se concentrar nas atitudes em relação ao produto, sem, contudo influenciar a probabilidade de compra.
Outro ponto a se considerar é a possibilidade de “overshadowing”, um fenômeno comportamental que ocorre quando a celebridade ofusca a marca do produto endossado. Mas neste caso o fato não ocorreu!
De qualquer forma, o cenário que se configura é o seguinte: vegetarianos que não comprarão a carne, por que não comprariam mesmo, e os carnívoros divididos em simpatizantes, não simpatizantes e neutros.
Aí nos deparamos como uma questão conceitual bem importante, velha conhecida dos pesquisadores em comportamento do consumidor. Um campo de estudos bem abrangente chamado CORRESPONDÊNCIA DIZER – FAZER, ou seja o estudo da correlação entre intenção e comportamento, o que nos leva a um modelo bem conhecido quando pensamos em compreensão do comportamento do consumidor: o modelo multiatributo de atitude, desenhado por Fishebein e Ajzen, em 1975, que afirma que uma atitude, postulada como uma avaliação geral sobre o objeto da atitude, é composta por 3 dimensões: Cognição (minhas crenças, percepções) , Afeto (como eu me sinto em relação ) e Conação (Minhas intenções de me comportar em relação ao objeto da atitude).
Este modelo, por demonstrar ser um baixo preditor de comportamento real, foi substituído pela Teoria da ação racionalizada, alguns anos depois, mas também não conseguiu aumentar o grau de predição. É isso mesmo, em comportamento de consumo, atitudes não são sinônimos de comportamento.
A psicologia cognitivista domina os estudos sobre o comportamento do consumidor há pelo menos 60 anos perseguindo esta aproximação. Na contramão desta abordagem, o que diversos estudos na área da psicologia comportamental apontam é que o que controla o Dizer não necessariamente controla o Fazer. Isso, em bom e claro português, significa que o fato das pessoas verbalizarem negativamente sobre determinados aspectos da peça publicitária não necessariamente impedirá que estes venham a consumir em contextos futuros a marca em questão. Sob este aspecto, o modelo de compreensão desenhado por Foxall,conhecido como B.P.M (1982), parece ser mais eficiente, pois postula que o comportamento do consumidor só pode ser entendido pela intersecção entre o cenário de consumo e a história de vida , e esta interação produzirá consequências que aumentarão ou não a probabilidade de comportamentos futuros em contextos semelhantes.
Desta forma, os simpatizantes do Roberto pouco serão afetados. Os não simpatizantes e os neutros serão mais afetados por outras variáveis, cuja magnitude terá valor maior do que a avaliação momentânea sob o efeito da peça publicitária. E no futuro os consumidores serão divididos em os que comprarão por causa do Roberto e os que comprarão apesar do Roberto. E os acionistas da Friboi, comemorarão o desastre em questão!
E como diria Skinner: mude e esteja disposto a mudar, sempre! Você, Roberto ou quem quer que seja!
Carla Simone Castro, mercadóloga, especialista em comportamento do consumidor, analista do comportamento, mestra e doutoranda em Psicologia comportamental
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