A criação da Universidade Federal do Espírito Santo marcou a entrada do Espírito Santo numa nova etapa histórica.
O mesmo ocorreu em outras unidades federativas que foram aquinhoadas com uma universidade federal.
Profissionais que forjaram seu espírito nos bancos da Universidade foram os anunciadores dos horizontes que se abriam.
A UFES não é apenas um patrimônio dos atuais alunos, funcionários e professores, ou de professores e funcionários aposentados, ou de profissionais formados pela Universidade. É um patrimônio do povo capixaba.
A história da UFES acompanhou passo a passo a história espírito-santense nos últimos sessenta anos. Quando a liberdade foi suprimida no panorama nacional, ali na UFES germinou o grito de resistência. Professores não se submeteram à suposta autoridade dos que podiam submeter o corpo, mas não eram capazes de alcançar a alma. Nas salas, opunham-se à ditadura, criticavam o arbítrio, mesmo sabendo que as aulas estavam sendo gravadas pela Polícia Política exercida por um falso aluno. No DCE e nos diretórios acadêmicos das faculdades, heroicos líderes estudantis mantinham acessa a tocha da resistência.
Tenho título para reverenciar as seis décadas da UFES como ex-professor e ex-aluno. Neste artigo quero me lembrar do aluno que fui, prestar tributo a MINHA UFES. Ingressei no Curso de Direito assim que completei a idade mínima exigida por lei. Na posição de ex-aluno, desejo homenagear um professor que simbolicamente represente todos os outros. Da mesma forma vou relembrar um colega de turma que igualmente seja o representante dos demais.
Para a reverência aos professores escolho Jair Etienne Dessaune, catedrático de Direito Romano. Que professor dedicado e competente! Era rigoroso com os alunos, mas rigoroso consigno também. Jamais faltava a uma aula. Naquele tempo o aluno podia passar de ano ficando pendurado numa matéria. Dezenas de alunos ficavam pendentes com Jair Dessaune por não terem se debruçado com o devido cuidado à face do Corpus Juris Civiilis.
Para homenagear os colegas de turma elejo Demistóclides Baptista, o nosso Batistinha. Já naquele tempo de estudante ele era um líder sindical respeitado pelos colegas ferroviários e temido pelas armas do Poder. Batistinha era inteligentíssimo, portador de uma cultura que ia muito além do Direito. Era simples, modesto, amigo. Dialogando com ele aprendi muito. Batistinha entusiasmou-se com o então Papa João XXIII, que foi o primeiro Papa a exaltar o Socialismo numa encíclica. Observando o posicionamento de João XXIII nas questões sociais, com uma surpreendente guinada à esquerda, ele me disse: é João, você é católico e eu sou comunista, mas com este Papa nós vamos nos encontrar.
João Baptista Herkenhoff é magistrado aposentado, Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo e escritor
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