O jornalista Guilherme Coelho narra a determinação de um professor de capoeira que beneficia, através de projeto social, centenas alunos. Ele conta também a angústia vivida por este professor
Ouvi por alto que um dos projetos sociais mais bonitos do Jardim América, a partir do dia 15 de dezembro, não terá local para dar continuidade aos trabalhos. Refiro-me ao projeto Capoeira é Vida iniciado em 2009, nas dependências do Colégio Estadual Deputado José de Assis, no qual beneficia mais de 200 alunos. No início de 2012, o projeto passou a ser executado no Centro de Reabilitação São Paulo Apóstolo (Crespa), localizado na Rua C-189.
Ao saber da notícia, procurei o responsável pelo projeto, Wilson Thiago, de 30 anos, conhecido popularmente como professor Chocolate. No dia 14 de dezembro, o convidei para vir ao jornal e falar sobre o assunto.
Professor Chocolate veio no mesmo dia. Chegou em uma bicicleta de cor fosca, de 18 marchas. Estava de camiseta branca, bermuda clara e sapato tênis. Porém, algo me achou atenção nele: seu semblante mostrava-se preocupado e triste. Percebi que algo o incomodava.
Questionei o porquê da saída do Crespa. “Eles alegaram que os vizinhos reclamavam do barulho das aulas”, afirmou Chocolate, enfatizando que “não vai ser por falta de local e incentivo governamental que o Projeto Capoeira é Vida vai deixar de existir”.
Chocolate contou que o projeto cobra ajuda de custo no valor de R$ 15, mas os alunos não são obrigados a pagar. “Esta ajuda serve para comprar equipamentos de treinos, uniformes e limpeza do espaço”, assegurou. O professor garantiu que o projeto não tem vínculo político com ninguém.
O projeto iniciou apenas com aulas de capoeira. Hoje tem jiu-jítsu, muay thai, judô, dança, desenho e origami. Sete professores dão suporte ao projeto (todos voluntários) atendendo crianças desde os três anos de idade até a terceira idade.
Depoimento
Em conversa com a dona de casa Maria Joana Alves, 45 anos, mãe de Daniel Alves, 15, aluno do projeto Capoeira é Vida, ela diz que seu filho começou treinar no início de 2012. “Antes do projeto, Daniel era rueiro, nervoso, sem educação em casa e apresentava notas baixas na escola”, declarou Maria Joana. Ainda de acordo com ela, depois que Daniel passou a frequentar o projeto, suas notas melhoraram e inclusive passou a respeitá-la.
“Eu ficava preocupada porque Daniel ficava na rua o dia inteiro. Tinha medo dele conhecer as drogas”, relata a mãe. Para ela, o professor Chocolate disciplinou seu filho. Gratidão que ela afirma jamais esquecer.
Entrevistei também o Daniel. Ele confessou que não só ele, mas todo o pessoal que frequenta o projeto está muito triste por não ter local fixo para treinar. Ao lado de Daniel, estava o pequeno Guilherme Santos, 11 anos, que chama a atenção pelo apelido: porco espinho.
Guilherme, muito brincalhão, disse que adora o professor Chocolate e graças a ele mudou seu jeito de ser. “Eu era atentado na escola e tirava muitas notas baixas. Depois que passei a frequentar o projeto, o professor Chocolate me obrigou a melhorar meu comportamento na escola, principalmente as notas. Caso isso não acontecesse ele não deixaria treinar”.
Chocolate afirmou que ama o projeto e que não lucra nada com ele. “Faço por amor. É gratificante ver a garotada treinando. Tiramos dezenas de meninos das ruas; afastamos eles das drogas, da criminalidade”, declarou o professor, emocionado.
O professor Wilson Thiago é natural de Goiatuba (GO). Aos 13 anos mudou-se para Goiânia, veio de família simples, humilde, pautada pela honestidade e o respeito ao próximo. Há 17 anos é capoeirista. Quando começou treinar, limpava a academia para pagar o treino. Mestre Zumbi foi seu primeiro professor de capoeira. Neste tempo os treinos ocorriam no Centro, na Rua 3.
“Os alunos estão apreensivos, com receio de o projeto acabar”, declarou o professor. Mas ele tranquiliza: “Enquanto eu estiver vivo, o nosso projeto não acaba nunca. Deus vai nos abençoar e vamos conseguir outro local”. Chocolate destacou que se for preciso eles vão treinar nas praças do setor. “A garotada não pode ficar prejudicada pela falta de sensibilidade de algumas pessoas”, assegurou ele.
Crespa
A direção do Crespa alegou que o projeto estava desorganizado, não cumpria o horário estabelecido e que muitos vizinhos reclamavam do barulho provocado pelas aulas. Citou também que o consumo de água aumentou muito no local, o que acabou pesando no orçamento do Crespa.
Comissão de moradores
Ao saber do fato, a comissão provisória que responde pela Associação de Moradores do Jardim América, declarou que vai até o Crespa tentar uma negociação para retornar o projeto ao local. Caso não haja acordo, a comissão se propôs ajudar a conseguir outro lugar para que os alunos possam ser contemplados de uma forma digna pelo projeto Capoeira é Vida.
Opinião
É difícil fechar os olhos para esta situação, um projeto como este tem que ser respaldado pela comunidade. Quantas vidas estão sendo salvas? Dezenas! Não podemos esquecer que o ambiente proporcionado pelo professor Chocolate é sadio, carregado de amizade, carinho, segurança, responsabilidade, dedicação, amor, misericórdia e fé.
Fico indignado com os agentes públicos que nada fazem para fomentar o projeto. Uma coisa eles sabem fazer muito bem: criar o 14º e 15º salários.
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