Um dos sequestros de maior repercussão em todo o Brasil na década de 1980 aconteceu em Goiânia.
O ano era 1989 e a vítima, Said Agel Filho, um menino de apenas 9 anos.
Após tocaias e até rastreio de telefone, a polícia localizou os criminosos.
Mas a libertação do menino só ocorreu depois que 3 jornalistas que cobriam o caso se ofereceram para tomar seu lugar.
Relembre essa história quase inacreditável.
O rapto
Said brincava em frente de casa quando foi abordado pelos sequestradores.
Investigações posteriores apontaram que o grupo, que era do Paraná, monitorou a família por semanas durante o planejamento do crime.
No mesmo dia, um saco com balas de revólver foi deixado na porta da casa dos pais do menino.
Em meio às munições, havia um bilhete anunciando o sequestro.
Os criminosos pediam que 500 mil cruzados novos (o equivalente a cerca de 6 milhões de reais), fossem deixados dentro da letra “O” do famoso letreiro do Shopping Flamboyant, no Jardim Goiás.
Depois, até mesmo uma fita VHS mostrando o menino sujo e com aspecto adoecido foi gravada no cativeiro e enviada aos seus pais.
A investigação
Advogado e membro de associações em Goiânia, o pai do menino logo acionou amigos dentro da Polícia Civil de Goiás para auxiliar nas buscas pelo filho.
Assim, uma verdadeira operação de resgate foi montada na cidade.
A primeira tentativa das forças policiais foi uma emboscada no letreiro do Flamboyant.
Equipes ficaram à espreita na região, mas os criminosos perceberam a ação e fugiram do local.
Mas não tardou até que novas pistas aparecessem.
Dias depois do rapto da criança, a PC conseguiu rastrear 4 números de telefone que os sequestradores usavam para ligar para a família.
Com a informação, uma equipe foi deslocada para cada um dos endereços.
De acordo com dados da Telegoiás, estatal de telefonia goiana à época, um dos números era de uma farmácia próxima ao Hospital Neurológico de Goiânia, no Setor Bueno.
No local, os policiais conseguiram flagrar o momento em que um dos integrantes da quadrilha usou o telefone público.
Os agentes tentaram, então, capturar o homem. Mas ele estava atento e conseguiu fugir da captura.
O criminoso correu até um carro onde estava um comparsa e a dupla começou a empreender fuga.
Um deles colocou uma metralhadora em cima do carro e atirou na direção dos policiais.
Uma rajada de tiros atingiu um dos agentes, que acabou tendo a perna amputada devido à gravidade do ferimento.
Na troca de tiros, um dos criminosos morreu na hora e outro foi encaminhado, inconsciente e em estado grave, para o Neurológico, e depois acabou morrendo também.
O confronto I
A investigação parecia ter chegado a um beco sem saída.
Mas um pequeno pedaço de papel encontrado no bolso de um dos criminosos deu novas esperanças aos investigadores.
Era o recibo do conserto de uma joia. A loja ficava em uma cidade do interior de Goiás e foi para lá que os policiais se dirigiram.
Com o dono da loja a PC conseguiu uma única informação: o suposto nome do criminoso.
Mas Altamiro Marques era uma identidade falsa, não constava nos registros da Segurança Pública.
A investigação estaria sem rumos novamente, não fosse o relato de uma testemunha, que reconheceu o rosto de um dos criminosos mortos no Setor Bueno.
Morador da região, ele se lembrava de ter visto o homem trafegando pelo local em uma Brasília. Mas não qualquer Brasília: uma Brasília amarela.
Assim começou outro esforço para vasculhar Goiânia em busca de um veículo do mesmo modelo e cor registrado em nome de Altamiro Marques.
E ele foi localizado.
Na sequência, a polícia foi até o endereço que constava no registro do veículo e, no local, prendeu 2 mulheres, esposas da dupla morta no dia anterior.
Lá estavam também 2 crianças, coletes à prova de balas e munições diversas.
O menino, porém, não estava lá.
Sabendo que seus companheiros haviam morrido na ação policial, as mulheres decidiram então informar o endereço do cativeiro de Said em Goiânia.
O confronto II
A residência ficava Av. C-236, no Jardim América.
Às pressas, uma operação de resgate foi montada durante a madrugada.
Porém, os policiais não esperavam a artilharia pesada com a qual seriam recebidos.
No local, os criminosos atiraram com metralhadoras e arremessaram até mesmo granadas contra os agentes.
Outro irmão e ainda uma irmã da família de sequestradores mantinham o menino refém.
O estouro do cativeiro fora frustrado. Agora, restava negociar com os criminosos.
A negociação
Foram mais de 10h de negociação, na qual participaram até mesmo o governador de Goiás Henrique Santillo e seu secretário de Segurança Pública.
Até que jornalistas se voluntariaram para serem trocadas por Said.
A proposta foi aceita pelos criminosos, e 3 corajosas mulheres passaram a ficar em poder da quadrilha: Solange Franco, da TV Anhaguera, Mônica Calassa, da TV Goiás, e Carla Monteiro, do Diário da Manhã.
Após intensos debates, policiais conseguiram que os os sequestradores concordassem em receber apenas 100 mil cruzados novos da família da vítima.
Além disso, a eles seria entregue um carro blindado e um avião.
Os criminosos ficaram em poder da criança até o instante em que o último deles entrou no carro-forte.
Após uma semana de cativeiro, Said voltava para a sua família.
A fuga
No blindado, o grupo se deslocou até o aeroporto de Goiânia, onde um avião bimotor de seis lugares deveria ser entregue. Mas, segundo a polícia, não havia piloto disponível.
Eles, então, demandaram um motorista para conduzi-los no carro.
Nesse momento, um policial civil, que também era caminhoneiro nas horas vagas, se ofereceu para o trabalho.
Chegando lá, os criminosos exigiram que ele tirasse toda a roupa, ficando nu.
Insatisfeitos, eles continuaram desconfiados de que o homem era, na verdade, um agente de segurança.
Após levar uma coronhada na cabeça, ele foi expulso do carro e, segundo conhecidos, chegou a pensar que seria assassinado ali.
Mas os criminosos apenas exigiram outro motorista, dessa vez com comprovação de que trabalhasse na área.
E outro voluntário surgiu em meio à multidão que acompanhava o caso.
O taxista Osiris Tavares, conhecido como Zelão, foi levado até os sequestradores, em troca de uma das reféns, Carla Monteiro.
A polícia de Goiás os seguiu à distância, passando por estradas de São Paulo, até chegar ao Paraná.
Foram 4 dias nessa situação: 2 irmãos sequestradores, 2 repórteres e 1 motoristas presos dentro de um carro-forte.
Ao longo desse tempo, eles se alimentavam mal, passavam frio e calor e urinavam em sacos plásticos.
Até que, na altura da cidade paulista de Itororó do Paranapanema, divisa entre SP e o Paraná, uma nova troca de reféns ocorreu.
As repórteres foram liberadas e, em no lugar delas, o prefeito de Pontalina (GO), Aniceto Costa, e o piloto de avião Roberto Luís Seregatti foram entregues ao poder dos criminosos.
Aniceto de Oliveira, inclusive, ofereceu seu avião, um bimotor, para ser usado na fuga.
Eles até chegaram a decolar e fugir em direção ao Paraguai, mas as forças policiais do país vizinho não permitiram o pouso da aeronave em solo paraguaio.
A quadrilha, então, acabou voltando ao Paraná. Lá, liberaram os reféns e continuaram a fuga, por terra, em um carro roubado.
Nesse ínterim, o próprio presidente do Paraguai, general Andrés Rodriguez, encarregou-se de dar informações ao presidente brasileiro José Sarney sobre a atuação da policia paraguaia.
E a Polícia Federal chegou a solicitar a ajuda da Interpol, fornecendo todos os dados sobre os sequestradores.
Porém, até hoje, eles nunca foram encontrados.
O presente
Em entrevista concedida em 2016 ao Jornal Opção, Said Agel Filho contou sobre o seu trauma após o ocorrido.
Apesar das dificuldades, ele hoje é formado em Direito e servidor público estadual.
É evangélico e frequenta a Igreja Videira, no Setor Bueno.
Trinta anos depois de um dos maiores casos policiais da história de Goiás, ele vive com a esposa e filhos.
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